Acordei com minha mãe derrubando algumas jóias no chão e ainda sonolento, ajudei-a e furei a mão com uma tarracha, por sorte, ou azar, foi a mão que já estava toda enfaixada.
O meu dia foi uma merda, dei o remédio pro meu tio que de certa forma, me ignorava. Cheguei na escola e tudo parecia comum e chato, ninguém comentava nada sobre o ocorrido com Natália e muito menos sobre minha mão. Isso foi uma merda, não comentavam, mais olhavam.
Todo mundo tem aquele dia merda, que acontece pelo menos umas, várias vezes na nossa vida. E nesse dia, como em todos os outros dias além dos dias com Plutão, eu me senti um merda. Eu fui um merda, eu pisei na merda, eu olhava e era olhado como merda e tudo a minha volta parecia normal. Como merda.
O problema do dia merda, é que ele parece mais um dia comum em nossas vidas, mas não é. Alguma coisa fica estranha, acinzentada, sem graça, nos faz ficar mal, algo fora do comum. Mas afinal, o que é o comum? Ele pode ser pra você algo natural, mas para outro, não. O comum pode ser pra mim malabaristas jogando bolinhas de gude enquanto comem mortadela, enquanto pra você pode ser incomum. O que eu sei, é, a vida não é comum. Não importa a pessoa que a vê, que a vive. Não é comum de nenhuma forma, de nenhuma visão e de nenhum dos lados.
Eu gosto disso. Do incomum. Não saber o que vai ser do amanhã parece mais divertido, assustador também.
No dia merda, me sentei no meu lugar merda habitual e vi meu sistema solar meio manchado e rabiscado na mesa, todos os planetas ali, juntos. Nicolas se sentou na minha frente com a testa enrubescida:
- Que porra é essa mano? Me explica.
- O quê? Tá tudo normal.
-Não mesmo. A Nat não estava vindo, os amigos delas estão preocupados com o que ela pode fazer e nós estamos preocupados com você.
-Na boa, Nic...Foda-se a Natália.
Coloquei a mão enfaixada na testa, logo depois bagunçando o cabelo. Nicolas olhou em volta vendo quem tinha nos escutado, depois voltou a olhar pra mim, preocupado e confuso, sem saber se perguntava da mão ou focava no assunto merda:
- Eu tô do seu lado cara, pra tudo. Sabe disso, mas precisa me dizer quem era ela.
-Nicolas, quer mesmo falar sobre isso?
- Quero, preciso. Estamos preocupados cara, explica.
Suspirei, irritado.
-Caralho, eu só não quero saber da Natália, eu não gosto dela, só isso!
-Vai se foder Aif!
Gritou Lucas do outro lado da sala, que estava meio vazia:
-Porra mano! A garota mais gostosa, sensual e legal do colégio só dava bola pra você! Ela parou de ser mimadinha por você! E aí vem me dizer que não gosta dela só porque outra garota apareceu? Vai se foder!
Ele me empurrou contra a parede desgastada do colégio, com a respiração tensa e afobada, seus olhos procuravam algo nos meus desesperadamente.
-Para! Lucas ! Lucas, para!
Gritava Nicolas, Lucas me soltou, chutando a cadeira, enquanto umas pessoas da sala comentavam em um canto, um pouco assustados.
-Para de ser viado Nicolas! O Aif tá errado de tratá-la daquela forma!
- E ela estava completamente certa em me beijar, né Lucas?
O sinal tocou, outras pessoas começaram a entrar, entre elas; Natália, Matheus e alguns outros amigos. Meu dia merda foi tão merda, que as pessoas continuavam a me olhar mesmo no intervalo. Caminhei um pouco, olhando e sendo olhado enquanto bebia uma Coca-cola, que se tornava azedo em meus lábios e quente quando descia pela garganta.
Fui ao muro cinza, desamparado. Eu sabia que provavelmente ficaria sozinho no meu dia merda, mas como todo dia merda tem seu item surpresa, seu ponto alto. Tive o meu. Natália estava sentada no banco, com seus cabelos armados voando junto ao vento, me lembrando levemente Plutão. A saudade bateu em meu peito e como um pássaro no ninho, se aninhou. Suas mãos com grandes unhas pareciam nervosas, pois seus dedos mexiam descontroladamente contra o banco, fazendo batuques.
Engasguei, surpreso. Então, amassei a latinha, jogando-a no chão.
-Precisamos conversar.
Ela disse meio rouca, tímida, se levantando e ficando numa distância de uns dois metros.
- Eu não quero falar sobre isso.
-Não, Aif. Você não precisa falar nada, nem se explicar. Eu só estou assustada e angustiada, preciso falar mesmo que depois você esqueça. Mesmo que depois você ignore, etc.
-Bem, Aif. Eu fiz tudo por você. Eu tentei ser uma pessoa perfeita, ser um máximo. Eu fui endeusada por todos, menos por quem eu queria. Que é você, eu nem sei se tudo que eu planejei falar e treinei por horas no espelho vai sair como eu quero. Então eu mudei, achei que dessa forma, eu seria melhor pra todos e assim sendo, automaticamente, seria melhor pra você. Eu me transformei em uma pessoa melhor, não perfeita, mas melhor. Uma pessoa calma, eu tentei ser a pessoa da qual você precisava, uma pessoa natural, equilibrada, mas nunca foi de mim que você precisou, né?
Olhei sem expressão.
- Então eu tomei um decisão importante, Aif. Eu decidi que eu não vou mais procurar ser a pessoa que você precisa, porque eu vi que não precisa, você já tem alguém, ela é a pessoa que você precisa? Ela te equilibra, eu vejo. Eu me tornei isso, uma pessoa melhor talvez, mas eu não vou mudar meu outro lado impulsivo e mimado, de certa forma faz parte de mim, por isso não sou perfeita. Eu só quero que veja que me mudou pra melhor e que não importa o que você faça a partir de agora, vou continuar assim. Eu só queria que soubesse que não me arrependo de nada. De nenhuma das coisas que fiz e muito menos das que vou fazer.
Ela se aproximou de mim, com lágrimas escorrendo de seu rosto moreno e sua boca trêmula. Encostou nossas testas e com suas grandes unhas, pegou meu queixo. Eu continuava a olhá-la, perplexo e sem reação, qualquer outro garo em meu lugar já estaria aos beijos e apertos com ela. Nossos lábios se esconstaram, meus olhos se fecharam e diferente do primeiro beijo, eu senti. O gosto era salgado pois se misturava com as lágrimas dela, ora se transforma em algo agridoce, pois seus lábios tinham um sabor doce, mas no final se tornou apenas azedo.
Eu tinha certeza de que foi completamente azedo pra ela, o gosto azedo e quente do refrigerante estava em meus lábios e eu sabia que não era a melhor forma de me despedir da garota que gosta de mim, ou gostava, até agora.
Ela se afastou e enquanto as lágrimas continuavam a escorrer do rosto dela, ela sorriu:
-Essa dor, essa coisa horrível dentro de mim, ela vai acabar algum dia, né, Aif? Parece tudo nublado e triste agora.
Nesse dia merda, com todas as pessoas merdas a minha volta, uma garota se despediu. Eu, como o ato final desse dia merda, sem expressão, apenas disse:
- O Sol brilhará amanhã.
Aif.
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Aif
Teen FictionEM HIATUS Eu sou Antônio Ícaro Fernandes, mas me chamam de Aif. Na verdade só me chamam assim porque meu irmão também era Aif. Bem isso que leu, ele era. Você sabia que Plutão voltou a ser um planeta recentemente?