- Aonde vamos?
-No parque de diversões!
-Lá tem montanha-russa e aquele brinquedo que gira e gira e gira?
Ele gargalhou.
-Claro que tem, Antônio. Vamos nos divertir muito.
Abri os olhos e os fechei rapidamente. Questão de segundos.
-Papai, porque não posso ir?
-Você é pequeno demais pra isso.
-Pai, o Aif pode ficar aqui comigo enquanto você vai?
-Não.
Me virei.
-Mas papai....
-Apenas espere aqui, me entendeu?
Chutei o cobertor, fazendo-o cair da cama.
- Eu também não posso ir, Antônio.
Disse uma garotinha cabisbaixa ao meu lado.
-Cadê sua mãe?
-Ela foi no brinquedo.
Sentamos em um banco.
Coloquei a mão na cabeça, tentando amenizar o zumbido dos grilos, exatamente como no dia. Pessoas falando alto, em um local cheio.
-Meu pé não chega no chão.
A garota ria, balançando os pés e os batendo na parte de baixo do banco.
Toc toc. Zumbidos, pessoas falando juntas.
-O meu também não.
-Vamos crescer, né?
Acordei transpirando e vim escrever isso.
Os batuques ainda estão na minha mente e o resto do dia ainda vai ser insuportável.
Meu tio vai voltar do hospital logo,
Aif.Meu tio voltou do hospital em uma cadeira de rodas, dormindo. Um enfermeiro o acompanhou e o colocou na minha cama; doente, magro, pálido e debilitado. Deu instruções a minha mãe e foi embora.
Estava sentado na cadeira perto da escrivaninha, olhando pra ele que dormia com a respiração pesada, eu estava preocupado.
Minha mãe encostou a cabeça e os braços na lateral da parede de porta, se apoiando e o olhando junto a mim.
-Ele vai ficar bem?
-Você sabe que não, Fernandes. O que podemos fazer? Meu irmão não vai poder mais andar, ser feliz.
Minha mãe se rendeu, abaixando a cabeça.
-Opa, mãe, não é bem assim. Ele ainda pode ser feliz.
-Estou torcendo pra que sim, mas sinceramente, não vejo esperança.
Ela se retirou, indo comprar os remédios receitados. Minha mãe certamente estava sendo realista, mas não importa quanto eu veja, prefiro ser otimista. Como quando eu não pude ir no brinquedo, mas fiz uma amiga.
Tinha a impressão de que aquilo nunca aconteceu. Era só um sonho. Certamente. Enquanto eu devaneava sobre ser um sonho ou não, meu tio acordou.
-Aif.
-Tio, está se sentindo mal?
-Não. Estou...um pouco.
-Vou ligar pra mãe.
-Não. Estou com fome.
-Entendo. Quando ela chegar ela prepara algo.
-Biscoito. Tenho vontade de comer biscoito.
Fui até a cozinha e peguei um pacote de biscoito de polvilho, abrindo e dando na mão dele, que segurava meio torto, derrubando na cama.
-Você se lembra quando competíamos sobre quem comia mais? Você sempre ganhava, garoto.
-Não vamos fazer isso, você pode vomitar.
-Mas, se lembra?
Me calei. Claro que não me lembrava. Tio Francisco nunca havia feito competições de biscoito comigo.
Era com Augusto que ele brincava, pra ele, eu nunca existi.-Sim, eu lembro.
-Quando eu ficar melhor, vamos fazer isso de novo Aif.
Ele se virou, fechando os olhos. Minha mãe estava parada na porta com um saquinho de remédios. Ela me lançou um olhar furioso;
-Pare de fazer seu tio chamá-lo assim, me ouviu?
-Mas mãe...
-Quieto!
Ela deixou o saquinho ali, saindo batendos os pés, me levantei bruscamente, logo após mordendo os lábios por quase acordar meu tio.
Apareci na sala e me sentei ao lado dela, que passava todos os canais rapidamente sem ver o que passava.
-Eu não pedi. Caso queira saber, ele acha que eu sou o Augusto.
-Mas você não é, precisa falar isso pra ele.
-Mãe, ele tá doente, fiquei com dó de acabar com a felicidade dele.
-Que felicidade? Acha qua aquilo é ser feliz?
-Ele sorria enquanto comia e enquanto falava alegremente sobre como eu, Augusto Ícaro Fernandes, sou o melhor filho e melhor sobrinho!
Levantei a voz.
- Ele acha que eu morri e que ele está vivo e vou continuar com essa mentira pra fazer ele se sentir melhor.
-Mas você não morreu! Foi ele!Fernandes, quem você está tentando fazer se sentir melhor com essa mentira, ele ou você?
-Ah, sou eu, claro que sou eu, né? Mãe, estou fazendo isso por ele!
-Então para de fazer isso!
-É pra fazer ele se sentir melhor, se ele souber que o sobrinho preferido dele morreu, ia ficar abalado!
-Você tá fazendo isso por você!
-Claro! Claro que sim! Por que eu quero que meu tio perceba que eu estou ali mesmo que pra ele não seja eu, eu quero que me vejam e parem de chorar por uma pessoa que morreu!
Gritei. Muito alto. Rapidamente, recebi um tapa no rosto.
-É assim.
Peguei o caderno preto e saí. Com o rosto vermelho, caminhei pelo bairro, desolado, mais tarde, quando entrei em casa, vi minha mãe roendo as unhas de preocupação.
Eu não disse nada. Ela não disse nada. Abri a gaveta e peguei um cobertor. Não ia dormir na cama de cima de jeito nenhum depois disso. Acordei meu tio pra dar um remédio azul como dizia na folha de horários e me deitei no sofá pra escrever isso.
Eu estou errado, tudo a minha volta está errado.
É pelo meu tio que estou fazendo isso,
Aif.
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Aif
Teen FictionEM HIATUS Eu sou Antônio Ícaro Fernandes, mas me chamam de Aif. Na verdade só me chamam assim porque meu irmão também era Aif. Bem isso que leu, ele era. Você sabia que Plutão voltou a ser um planeta recentemente?