Dia 6.041

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Meu tio ainda não voltou pra casa, está magro, doente e para piorar ele ainda não sabe que não pode andar.

Os beijos de Plutão não saem da minha cabeça. Mas eu preciso me concentrar em outras coisas, na madrugada, quando quase amanhecia, ouvi o choro de minha mãe.
Eu ouvi ela dizer o nome do meu tio e depois de um tempo, ouvi o choro dela, que parecia um sussuro, um pouco mais alto, junto do choro, o nome ecoou:
Augusto.

Augusto.
Saí pra escola, no caminho me peguei olhando pro céu e em voz alta disse:
-Por que você teve que ir? Por que não fui eu?

Uma gota escorreu do meu olho,ou pelo menos eu achei que tinha sido. Mas outras gotas começaram a cair e a chuva começava a ficar mais forte, abri o guarda-chuva e continuei.
Tinha sido apenas uma coincidência a gota ter caído como uma lágrima, não?

Na chuva, encolhida perto das poças vendo o próprio reflexo, Plutão:

-Aif.

-Plutão.

Olhamos como se estivéssemos vendo a alma um do outro, ela ia continuar sendo misteriosa e eu ia continuar me apaixonando por isso em questão de segundos, mas ela estava chorando.

-Me diz por que tá na chuva.

-Eu gosto da chuva. Diferente de você, que prefere o Sol.

Eu gosto do inverno, mas aprendi a gostar do Sol porque Aif-um gostava do Sol.

-Você tá chorando?

-Não é bem isso. Só estou chovendo, eu sinto saudades Aif, muitas saudades.

Eu não sabia o que ela queria dizer, mas isso me machucou:

-Antônio Fernandes, vem comer.

-Sim, mãe.

Me sentei.

-Eba! Carne moída, o Aif gosta de carne moída!

Ela começou a chorar.

-Mamãe? O que foi?

-Não é nada Fernandes, eu apenas sinto saudades, muitas saudades.

Naquele dia, numa tarde de outono quando eu tinha nove anos, minha mãe chorou na minha frente e eu apenas comi calado.
Dessa vez, debaixo do guarda-chuva eu agi.
Me agachei perto de Plutão, deixando o guarda-chuva cair. Me molhei e chorei ao lado dela, eu sentia tantas saudades quanto ela.

Abracei-a e beijei a testa molhada dela,
O resto do dia foi completamente nublado, de todas as formas.

Aif.


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