Dia 6.030

84 16 2
                                    

Dias tem que começar bem pra permanecer bem, mas hoje o dia começou mal e terminou mal.

Minha mãe tinha bebido na noite passada e quando acordei a vi chorando na mesa do café. Não era um choro de desprezo ou arrependimento pelo que havia feito noite passada; era dor, tristeza e sofrimento.

Hoje era pra ser o aniversário de dezoito anos de Aif-um, mas não vai ser e nunca será. Porque meu irmão não está vivo pra ser Aif, nem pra fazer aniversário, nem pra ser filho ou irmão, nem pra consolar a minha mãe pela morte dele mesmo.
Conhecendo-o como conheço, se ele pudesse, consolaria mamãe por chorar por ele.

Eu deveria fazer isso? Eu estava vivo afinal. E no final, também era filho dela, também fui irmão dele.

- Mãe....Chega, mãe.

Eu não consegui dizer muita coisa, estava quase chorando junto a ela, que quase esperneava, aos prantos, tão alto, minha mãe se tornou uma criança sem doce. Abracei-a.

Nenhuma mãe deve ficar sem seu filho. Nem um filho deve ficar sem sua mãe. Nenhum doce pode ser esquecido. Mas me dava um aperto muito grande ver que tinham tirado e esquecido o doce de minha mãe.

Fui pro colégio, no caminho tudo parecia mais cinza e solitário nesse dia, nessas pequenas coisas e cores que eu notava a falta de Aif-um.

Atravessei a rua e na outra calçada trombei com uma menina, derrubando todas as compras dela:

-Olha por onde anda, moleque!

Uma menina menor que eu, segurando frutas e muitos livros novos. Usando uma calça jeans clara e um moletom tão grande que ia nos joelhos.

-Desculpa, sério. Você se machucou?

-Não, eu estava correndo, também não te vi, foi mal.

-Bom, seus livros e suas frutas ficaram intactos também.

Eu disse sorrindo e ela olhou-me como se eu estivesse batendo nela.

-É, ficaram.Bom, tchau.

Ela foi embora, com o jeans todo sujo e sacolas meio rasgadas. Eu senti que deveria ter ajudado e no resto do caminho tentava me lembrar dos detalhes do rosto dela; um cabelo todo ondulado, um rosto fino e olhos grandes e escuros, mas eu não conseguia lembrar o resto.

O dia na escola foi uma porcaria, acabou a força e em vez de nos liberarem, esperaram até a hora da saída. Saindo vi a menina com quem tinha trombado antes, na porta da escola com um caderno, me esperando.

- Isso é seu, Antônio.

Ela disse me entregando o caderno, que tinha meu primeiro nome, eu provavelmente deixei cair na hora que nos esbarramos.

- Obrigado, como sabia que estudo aqui?

-Você fez esse caminho depois que fui embora, eu apenas te segui, seu caderno está entregue Antônio, tchau.

-Obrigado de novo e pode me chamar de Aif.

Ela me olhou assustada, arregalando os olhos. Parecia uma cara de dor, uma dor horrível. Lágrimas pareciam querer brotar em seus olhos e a garota que parecia ter treze anos, foi embora.

Meu dia não foi só ruim, na verdade, a maior parte dele foi mais estranho do que ruim. Os olhos marejados da garota de cabelos pretos e ondulados me deixava inquieto.

Não mais inquieta que minha mãe, que passou o jantar calada e apenas disse boa noite. Amanhã, ela seria a Letícia mãe do Antônio novamente.

Apenas amanhã,
                Aif.


AifOnde histórias criam vida. Descubra agora