Dia 6.066

35 8 2
                                    

Quando as coisas começam a parecer loucura, mas querendo que você fique louco, não fique. Ou, pelo menos, tente não ficar.

Quando acordei, era madrugada. Por volta das quatro da manhã, liguei a televisão. Minha mãe acordou no horário dela, tomou seu café e saiu sem dizer uma palavra, mas claro, deixando um bilhete;

Por favor arrume a casa, se for sair, esteja de voltas as cinco, vamos num lugar.

Vamos em algum lugar. Certamente ela vai me levar pra falar com um médico ou algo do tipo. Eu queria poder dizer bem alto, eu não estou louco, apenas não sei o quê está acontecendo.

Meu celular vibrou no meu bolso, tirei o volume da telvisão já que não prestava atenção e fui ler a mensagem.

Ei, cara, o Lucas ainda tem fumado um pouco. Os olhos dele estavam vermelhos quando vi ele na praça.

Mas, ele tem cheirado?

Acha que perguntei isso pra ele?

Não, claro que não, deixa.

Nicolas visualizou e saiu. Comecei a limpar a casa e logo estava terminando, quando entrei no quarto da minha mãe, minha caixa de fotos estava ali, ao lado das três caixas que ela guardava. A maior, de Aif-um. A menor era a minha e a outra...Do meu pai.

Pai, você realmente matou seu próprio filho?

Peguei minha caixa, abrindo. Haviam desenhos feios, roupas de bebê, chupetas e um cartão de dia das mães:

Mamãe, feliz dia das mães! Amo você e quando crescer vou te levar pra voar nas estrelas junto do papai e do Aif como você sempre quis!

Algumas palavras certamente estavam erradas e meu desenho da nossa família perto das estrelas era até que bonitinho, mas, eu não lembrava disso. Nem sequer lembrava de minha mãe dizendo que queria ir voar nas estrelas. Ela havia dito isso?

Tomei um banho, me troquei e guardei o cartão velho no bolso. Me sentei no beliche, pensando em todas as coisas que me rodeavam.

A falta de presença da minha mãe me rodeava, mais presente do que a própria. A ausência do meu pai e o exemplo do meu irmão mais velho me faziam me sentir inútil e por muito tempo, sem proteção. Um amigo que continua a usar drogas, um tio que me tratou bem apenas algumas horas antes de morrer e uma namorada que levava cintadas do próprio padrasto.

As coisas não estavam certas.

Mas eu nunca desisti, eu ainda estou procurando alguma coisa, mas isso me deixa vazio e transparente como um copo de vidro. O quê, exatamente, eu procuro?

Minha mãe chegou em casa, colocando documentos na mesa. Apareci na porta do quarto e ela, sem me encarar disse:

-Pegue a chave e espere no carro, eu já estou indo.

-Não posso ir na hora que você estiver indo?

-Não.

-Tudo bem, espera só uma coisa.

Entrei no quarto e coloquei o meu caderno azul e o preto do meu irmão no mesmo lugar, debaixo do travesseiro do meu irmão. Minha mãe não se atrevia a tocar naquela cama há oito anos, não seria agora que ela tocaria.

Peguei a chave e fui pro estacionamento, um garota entrou enquanto eu descia, apesar de não ter olhado bem o rosto dela, eu a reconheci. A garota de capuz, a garota cuja a existência ser dita é essencial, mas a beleza de sua aparência verdadeira não. Entrei no carro, uns oito minutos depois segundo o relógio do carro, minha mãe entrou bufando.

AifOnde histórias criam vida. Descubra agora