Dia 6.053

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Quando acordei hoje de manhã, saí a procura de um remédio azul pra dar a alguém que não estava ali pra tomar.

A tristeza apertou em meu peito, meu pai. Meu irmão. Meu tio.

Por que as minhas influências tinham que me deixar?

De todas as pessoas que eu podia ter, poucas ficaram. Sei que se as pessoas pudessem escolher, a maioria escolheria viver mais. As pessoas são sedentas por vida, elas querem viver mais e mais a todo custo. Assim elas se cuidam fazendo várias coisas, tomando remédios, se cuidando. Tudo em vão, creio eu. Isso prolonga sua vida, mas não te deixa vivo pra sempre e provavelmente também te deixa insatisfeito, mas continuaria a ser assim. As pessoas querem viver sempre e sempre, apenas mais um dia.

E eu apenas quero parar por aqui. No meu ponto de vista, agora tanto faz.

Matheus e Lucas vieram em casa e Matheus roía as unhas de preocupação.

-Desse jeito vai acabar comendo a própria mão.

-Estou preocupado.

-Com o quê?

-Não, eu acho melhor te contar quando eu confirmar.

Me virei pra escolher um filme pra vermos, mas continuei olhando de canto Matheus com seu rosto enrugado e suas pernas inquietas.

Lucas jogou um papel em mim:

-Essa é sua autorização.

-De quê?

-Na verdade eu não sei bem, por que não ligo. Acho que vai ter alguma exposição sobre mitologia no parque e acrescenta na nota. Como não tem Kratos, não tô nem aí.

-Lucas, você sabe né? Que Kratos é fictício e que ele nem sequer é de alguma mitologia.

-E os deuses não são fictícios, não né?

Ri e joguei uma almofada nele.

-Antigamente as pessoas acreditavam neles, eles eram seres divinos.

-Assim como Deus é agora, mas não deixa de ser ficção.

-Eu acredito em Deus.

-E eu em aliens e fadas.

-Calem a boca!

Matheus se levantou do sofá bruscamente e até minha mãe na cozinha se assustou.

-Desculpa Dona Lê, estou nervoso.

Minha mãe limpou as mãos no avental e veio fazer um cafuné nele:

-Vamos ver, está preocupado porque o outro amiguinho de vocês não veio?

Nicolas.
Ele não veio e nem sequer havia dito o motivo.

-Sim. Dona Lê, como você adivinhou?Ah, nem importa mais. Ele nem ligou, não foi no enterro,nada.

Minha mãe fez uma expressão triste e eu tentava decifrar se Matheus a deixou triste por lembrar do enterro ou pela ausência de Nicolas.

-Bom, relaxem meninos. As vezes ele saiu com os pais e esqueceu o celular, foi viajar já que o ano está acabando, sei lá.

-Não, não. Nicolas ama o celular, ama tecnologia. Ele não perde tempo quando tem wi-fi livre pra falar com as pessoas.

-Relaxem, ele vai dar notícias.

Ele vai dar notícias, claro que vai. Não é a primeira vez que nos reunimos sem um de nós, um final de semana com a família é bom também, mas a preocupação absurda de Matheus me incomodava. Ele sabia de algo que eu não sabia? Provavelmente. Assim como escondi Plutão deles, Nicolas, Lucas e Matheus provavelmente escodiam coisas um do outro e de mim. Quando amigos escondem coisas que podem ser descobertas com uma mãozinha ali e aqui, é como brincar de esconde-esconde e guardar caixão. Você não se escondeu direito. Você pode ser pego.

Comemos macarrão com abobrinha e bacon da minha mãe e ela quis jogar jogos de tabuleiro, diferente do que a maioria das pessoas pensam, minha mãe adora participar de nossos finais de semana e os meninos adoram ela. Sinto que nesses finais de semana ela se diverte e fica mais leve, ela está com pessoas mais jovens e que a amam. Ela provavelmente pensa como se fosse mãe de todos nós. Fico feliz de vê-la sorrindo.

Mais tarde quando os garotos foram, fui pra sacada enquanto tomava suco. Ventava bastante, fazendo barulho.

Quando entrei vi que não escutei meu celular que estava com som, tocar. Quatro ligações perdidas.

Quem me ligava tão desesperadamente? O nome aparecia assustadoramente na tela, com a diferença de cinco em cinco minutos.

Matheus - 19:30
Matheus - 19:35
Matheus - 19:40
Matheus - 19:45

Olhei o relógio, marcava sete e cinquenta. Meu celular vibrou com a música.

Eu tremi e temi na hora de pegá-lo. Atendi.

-O Nicolas não está em casa, eu fui na casa dele e nem me atenderam. Ele não tá lá.

Eu não consigo dormir, agora quem roí as unhas sou eu,
Aif.

AifOnde histórias criam vida. Descubra agora