Sério? Sério mesmo que o professor tava anunciando uma prova surpresa como se anunciasse que gostava de morangos? Eu não sei vocês, mas eu, particularmente, não sou uma máquina de estudos ou sequer tenho memória fotográfica pra me sair bem em uma prova, que eu mal sabia que iria acontecer, sem que antes eu tivesse estudado horas pra ela. O Internato Jauregui era ótimo pra uma centena de coisas, mas existia esse nível de exigência dos alunos que na maioria das vezes me irritava profundamente. Eles cobravam uma excelência de nós que, pelo menos no meu caso, chegava a me prejudicar. O exato momento era um ótimo exemplo disso. O professor de História simplesmente decidiu que hoje aplicaria uma prova e ele é completamente autorizado a fazer isso já que a diretoria do internato acredita que nós, como alunos disciplinados e estudiosos que somos (ou deveríamos ser), sabemos de todo o conteúdo passado sem que precisemos de aviso prévio da realização de uma prova pra começar a estudar sobre ele e, consequentemente, se sair bem nela. Um absurdo, certo?
Bufei audivelmente e ajeitei meus óculos no meu rosto antes de afundar a cabeça sobre o pedaço de papel à minha frente. Não havia maneira de eu ir bem naquela prova. Eu não me lembrava de absolutamente nada que o professor havia dito há sei lá eu quantas semanas atrás, assunto que era me cobrado logo na primeira questão. Bufei mais uma vez e recebi uma olhada ríspida do senhor Augustos, o próprio professor, me pedindo silenciosamente que parasse de bufar e fizesse silêncio. Segurei a vontade de revirar os olhos e voltei minha atenção para aquele pedaço de papel. 50 minutos de aula nunca demoraram tanto para passar.
Assim que o sinal de fim de aula tocou, indicando também o final da prova, eu retirei meus óculos e suspirei aliviada. Havia chutado absolutamente tudo e devia estar triste por isso, mas, pelo menos, estava liberada para sair daquela sala e isso me fazia feliz. Levantei da cadeira seguindo em direção à porta da sala, passando pela mesa do professor antes para entregar a avaliação. Assim que pisei no corredor, senti minha mão direita ser agarrada com força pela minha amiga Dinah e, sem avisos, fui puxada por ela bruscamente para frente, sendo obrigada a andar rapidamente.
- Mas que diabo de prova foi essa? Esse professor é louco?! – ela exclamou impaciente, largando minha mão depois que consegui acompanhar seu ritmo.
- Eu chutei tudo. – respondi calmamente. – E você?
- Colei. – ela disse dando de ombros. Arregalei os olhos para ela e uma fúria de repente me subiu pelo corpo.
- Por que você não me disse que ia colar?! Eu devia ter colado com você! Aliás, você devia ter me passado a cola que recebeu! – exclamei indignada, enquanto nos aproximávamos do refeitório.
- Ei, ei! Eu não recebi cola. Colei do celular, pela internet. – olhei para a cara dela com os olhos semicerrados. Como se essa justificativa fosse melhor. Ela entendeu meu olhar e continuou. – Eu não tinha como te passar pelo celular. No minuto em que eu te mandasse as respostas, o seu celular ia apitar, naquele toque estridente, e todo mundo, inclusive o professor, ia olhar pra sua cara com desconfiança.
- Tá, tá. – a interrompi, convencida. – De qualquer forma, eu não teria as mesmas habilidades que você tem pra isso. Ia acabar me atrapalhando e o professor ia ver que eu tava olhando no celular.
- Exato. Se isso ajuda, eu não consegui encontrar metade das respostas. Aquelas perguntas eram confusas. – assim que ela terminou de falar, olhei para a sua cara e revirei os olhos em descrença. Então, paramos em frente a uma das lanchonetes que havia no refeitório e aguardamos alguns instantes na fila antes de pegarmos nossos lanches. Sentamos as duas na mesa de sempre, ao centro do refeitório, ao lado de Ally, que já terminava o seu próprio sanduíche.
- Por que essas caras irradiantes? – ela perguntou, com ironia. Dei um sorrisinho sem dentes para ela e Dinah respondeu por nós duas.
- Prova surpresa.
- Senhor Augustos? – Ally questionou e eu apenas afirmei com a cabeça, mordendo o primeiro pedaço do meu lanche. – Típico. Vou até me preparar caso ele queira fazer o mesmo na minha turma ainda essa semana. Aliás, hoje a senhora Mercedes dispensou a gente mais cedo de novo.
Eu grunhi de boca cheia ao ouvir o que Ally havia dito.
- Por que a sua sala sempre é a mais sortuda? – Dinah exclamou, praticamente cuspindo o suco sobre Ally, claramente irritada. - Além de ficarem sabendo antes sobre as provas "surpresas" por causa das outras turmas, toda segunda-feira são dispensados mais cedo antes do intervalo. O que mais falta pra vocês?
- Desculpa se eu não sou azarada como vocês. - Ally respondeu com um sorrisinho besta nos lábios. Peguei o primeiro pedaço de papel que vi pela frente e taquei em sua direção. Ela desviou e riu.
- Um dia eu ainda consigo me transferir pra sua sala. – eu disse, bebendo um grande gole do meu suco em seguida.
- Isso eu pago pra ver. A gente tá desde o primeiro ano pedindo à diretoria pra ficar na mesma turma e eles não dão o braço a torcer de jeito nenhum. – Dinah respondeu descrente. Ally olhou para nós duas, forçando um biquinho triste e assentiu. Ela já havia terminado seu lanche e eu e Dinah já estávamos quase terminando os nossos. Enfiei na boca o último pedaço dele quando alguém se sentou absolutamente do nada do meu lado.
- Oi, Mila. – eu quase engasguei e morri ali mesmo, tamanho o susto que aquela aparição do nada me deu. Consegui me recuperar, engolindo tudo que tinha na boca de uma só vez e forcei um sorriso na direção da voz.
- Oi, Austin. – respondi praticamente sem ar. - Nunca mais faça isso na sua vida. – completei, lançando-lhe um olhar reprovador, ainda sorrindo. Ele soltou uma risada fraca antes de voltar a falar.
- De repente, deu pra ficar nervosa quando eu apareço. Sou tão feio assim a ponto de te assustar? – ouvi Dinah soltar uma risadinha e a ignorei completamente, sentindo minhas bochechas começarem a avermelhar.
- Eu não vou te dar o prazer de me ouvir te elogiando, Mahone. – respondi sarcasticamente, antes de passar um guardanapo sobre a boca e dar um último gole no meu suco, para limpar a garganta. Ele soltou uma risada fraca novamente e olhou na direção das meninas.
- A gente se vê por aí, gente. – se voltando pra mim novamente, completou. – Até mais, Mila. – Ele, então, se aproximou do meu rosto e beijou minha bochecha, saindo dali em seguida.
Demorei alguns segundos antes de voltar meu olhar para as meninas à minha frente. Ambas tinham sorrisinhos idiotas nos rostos e eu revirei os olhos antes de me levantar dali.
- Quietas. – disse e as duas me acompanharam entre risinhos, saindo do refeitório a caminho dos jardins para aproveitar o resto do intervalo.
A relação que eu tinha com o Austin sempre havia sido de amizade. Aliás, de grande amizade. Por um tempo, cheguei até a considerar como um melhor amigo. A gente costumava passar muito tempo juntos. Desde que a gente se conheceu aqui no internato, ele se mostrou uma companhia perfeita, daquelas que te escuta dizer coisas idiotas e que, invés de se assustar, responde algo mais idiota ainda. Eu não podia negar que ele era realmente lindo e que, num primeiro momento, até me senti atraída. Mas a nossa amizade acabou fluindo de uma maneira tão natural que eu simplesmente não consigo mais enxergar ele como mais do que isso: um amigo. As coisas começaram a desandar quando nessas férias eu comecei a sentir uma "pressão" vinda dos meus pais em relação a ele, quase como se fosse vontade deles que eu começasse a ter algum tipo de relação com o Austin. A aproximação dos meus pais com os pais dele também não ajudou muito, e eu comecei a me sentir de certa forma "prometida" ao Austin, praticamente como em um tratado entre famílias que casam os filhos no intuito de formar grandes impérios. Afinal, nós estávamos em que século? O próprio Austin, provavelmente incentivado pelos pais dele, acabou confundindo as coisas e agora deu pra ficar dando em cima de mim quase 24 horas por dia. Por isso, tudo anda meio estranho e eu já não sei se vai ter como recuperar a relação que a gente tinha ou se eu, quem sabe, vou conseguir começar a enxergá-lo como algo além de um amigo. Só o que eu sei é que esse ano começou completamente esquisito e que, para o bem ou para o mal, ele com certeza promete. E muito.
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O Internato
RomanceNão havia no país um colégio interno melhor conceituado do que o Internato Jauregui. As famílias, evidentemente poderosas, que, por uma velha tradição, faziam questão de matricularem seus herdeiros lá, dispunham de uma parcela bastante considerável...