Capítulo 3

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Fiquei encarando o teto por um bom tempo enquanto minha mãe terminava o bolo. Sentia o cheiro dele invadir, minhas narinas.

Já estava acostumada com essas coisas, mesmo que não seja uma coisa que ocorra sempre, mas não há nada que eu não pudesse aguentar. Meu pai não era muito diferente dos pais de todas as garotas que conheci até hoje, que são tão rígidos quanto ele. Mas isso não vai mudar minha decisão, eu vou servir a enfermagem e nada vai me impedir.

Peguei meu Diário, de baixo do colchão.

Diria que é quase iminente uma fuga, não que eu queira ter de fugir para realizar o que desejo, mas não deixaria que decidissem por mim, diria aos meus pais, mas sei que eles não entenderiam.
Meus irmãos estão ótimos, graças a Deus, meu coração agora pode ficar em paz. Sei que somente através dessas cartas, irei saber como anda a crise.
Enquanto não houve conflitos armados, posso ficar tranquila, mas caso contrário...

A porta do meu quarto se abriu e minha mãe entrou, com um prato pequeno de bolo. Abri um sorriso de imediato.

- Pensei que iria querer um pedaço! - ela se sentou ao pé da cama. - Sinto muito pelo seu pai ter feito isso, sei o quanto deve doer.

- Bom mãe, não se preocupe com isso... Não estou zangada. Muito pelo contrário, estou até satisfeita.

- Como disse?

- Sei que pode soar estranho, mas meu pai tem seus motivos, e demonstrar o quanto ele não quer que eu vá embora só deixa claro o quanto se importa. Meu pai pode ser rígido mamãe, mas ele nunca fez nada sem um motivo. E eu já sei qual é...

- Se você diz... Estou tão feliz por seus irmãos!

- Também estou mamãe, orei muito a Deus para que ele adiasse essa crise...

- Eu também meu amor. - ela acariciou meu joelho. - O que é isso?

Segui sua visão que estava fixada em meu Diário. Nesse momento senti que meu coração parou por um instante.

- Nada mãe, é só um caderno de caligrafia.

- Hum, deixe - me ver! - ela esticou a mão.

- Hã... Não! É pessoal!

- Hã? Pessoal? Mais é só um caderno de caligrafia! - ela me olhou estranho.

- Bom, não é só um caderno de caligrafia... É meu Diário.

- Oh! Então temos um admirador secreto? - ela deu um sorriso largo.

- O que! Não mãe! - Ri de sua expressão confusa.

- Mas é para isso que se tem um diário!

- Sim, mas não que eu esteja interessada em alguém, só escrevo sobre coisas do dia.

- A sim, então está bem, mas se houver um rapaz quero que me conte! - ela me deu um sorriso amarelo e saiu do quarto.

Terminei o bolo. E então ouvi passos pelo corredor até meu quarto, meus irmãos entraram pulando, e destruindo a bela organização do meu cantinho.

- Ei! - Eles pularam na cama e minha irmã caiu em cima de mim.

- Chegou para você! - sua voz era tão fina e doce que era quase música.

- O que é que chegou?

- Isso! - Eliot me jogou um envelope.

- Mamãe disse que o papai não podia saber! - ela riu e voltou a pular.

O que poderia ser, para meu pai não poder ver?

Abri a carta.

Olá, como vai Lizie? Estou com saudades, a propósito fiquei sabendo, que você virá ajudar na guerra. Estou tão feliz que mal cabe no peito. Vai ser divertido rever minha querida Lizie. Espero que tudo esteja a favor de que venha para a mesma base que nós. Estou no caribe mas talvez irei para outra base, se souber de mais detalhes vou te informar prometo. Mas só um aviso, as coisas por aqui não são muito bonitas. Ainda não está definitivo o local que iremos nos fixar, mas como a demanda está grande de enfermeiras, estamos felizes. Ouvi comentarem que possivelmente estão planejando ataques aos navios e que dois já foram atacados!
Estou com saudades, que você apareça por atacados aqui o mais breve possível.

De sua melhor amiga no mundo! Hanna.

- Oh meu Deus! hanna estava lá!

- A hanna? - Minha irmã perguntou se sentando ao meu lado e tirando de minhas mãos congeladas, a carta.

- S-sim...

Puxei a carta de sua mão antes que ela tentasse ler, mesmo sendo pequena ela já reconhecia algumas palavras. Guardei no meu armário, dentro de um casaco.

- Bom, vamos descer e ouvir o rádio? - Abri a porta do quarto e os dois passaram correndo para a sala. Me acomodei no sofá com minha irmãzinha deitada em meu colo.

Mas... Como ela ficou sabendo? Não nos vemos a mais de um ano!

Meu pai não podia nem sonhar que Hanna me enviou uma carta.
Hanna era minha melhor amiga desde pequena. O pai dela foi preso por assaltar a casa onde trabalhava de mordomo e depois meu pai deixou claro que eu e ela não podíamos ser amigas, na cabeça dele, ela seria como o pai e uma má influência para mim.

Hanna não era santa, digamos que na adolescência foi uma grande amiga dos meninos da escola, mas era uma pessoa maravilhosa! Impossível alguém não se apaixonar por ela.

Naquele momento uma saudade imensa tomava meu peito. Esperava um dia encontra-la.

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