Capítulo 11 – Enquanto você dormia
Your head is humming and it won't go, in case you don't know
The piper's calling you to join him
Dear lady can you hear the wind blow and did you know
Your stairway lies on the whispering wind
(...)
And if you listen very hard
The truth will come to you at last
When all are one and one is all, yeah
(Stairway to Heaven – Led Zeppelin)
Logan
Os Curandeiros riram de minha confusão. Estrela estava tão perto, tão perto. E eu só queria tocá-la. Não entendia porque ela insistia em dizer coisas estranhas sobre como eu não devia mais me descuidar de minha saúde, ou sobre um pai que tinha se sentido mal. Eu só queria ficar olhando para ela. Estava tão bonita!
Demorou um pouco para eu perceber que ela estava falando comigo. Quase estraguei todo nosso esforço, porque, por alguns minutos, não me lembrei da mentira que precisava sustentar, minha mente não sentiu a verdade óbvia de que não estava no lugar certo. Se é que posso chamar assim.
É que, bem, a coisa toda foi muito insólita para mim também, acredite. Quando você acordar... Quando você acordar, quero que me diga como se sentiu, porque foi a coisa mais estranha que eu já vivi. Acho que você vai concordar comigo.
Mas o desconforto acabou me trazendo de volta à realidade. Depois de um tempo, começou a parecer demais com um misto de sapato apertado com a sensação de estar longe de casa por mais tempo do que se pode aguentar. E ainda bem por isso, pensando bem, porque me ajudou a lembrar do que estava acontecendo e pude salvar o disfarce que Estrela criou.
Talvez eles tenham achado estranho o modo como eu não conseguia parar de olhar para ela, mas também pode ser que não. Acho que estão acostumados com o efeito do Corta-dor combinado com outros medicamentos que me deram, ainda que não pudessem imaginar todo o resto que estava se passando em minha cabeça.
Você não gosta de arte, mas se eu pudesse te dar um exemplo, se pudesse te mostrar como as cores e as formas às vezes se misturam com a luz de um jeito tão próximo do sonho quanto distante da realidade, diria que estava me sentindo como num quadro surrealista. Ou como naquela canção de que você me falou, aquela de que me lembrei depois, sobre a escadaria para o paraíso. Você disse que os sons subiam e desciam, e formavam partes tão diferentes entre si, mas que nunca deixavam de parecer uma coisa só.
Sempre penso nessa música. E em como você me ensinou a gostar de outras tantas.
Devíamos arranjar um violão para você na próxima incursão. Acho que muita gente sente falta de música por aqui e eu gostaria de conhecer mais. Ou me lembrar. Você diz que faz muito tempo que não toca e que se esqueceu das notas, mas talvez você acabe se lembrando de alguma coisa. Talvez possa me ensinar um pouco. Eu gostaria disso. E acho que as outras pessoas também.
Lily, por exemplo, vive cantando para as crianças. Ela diz que música não deveria estar entre todas as coisas sem as quais elas vão crescer. Eu concordo, embora antes de você eu não desse importância a isso. Mas acho que sou mais parecido com os humanos agora. E aprendi a sentir falta de música também.
O homem que vi em suas lembranças, dedilhando o violão na varanda de madeira, era seu pai, não era? Não tenho certeza, mas achei que poderia ser. Ele me pareceu familiar. De algum modo, quando imagino você tocando, penso nele, embora vocês sejam um pouco diferentes em minha cabeça. Ele parecia solitário, mas não do jeito que vejo em seus olhos às vezes. Era uma solidão de entardecer, a sua não amanheceu. Parece estranho dizer isso, mas acho que você me entende. Afinal, a recordação é sua. Eu não inventei a melancolia dela.
Também não inventei o amor que nos preencheu quando você pensou na mulher que estendia roupas no varal. Sua mãe. Tenho certeza. Eu nunca tive uma mãe. Não uma humana, quero dizer. Meu hospedeiro era órfão, então eu não me lembro do sentimento, mas há algo de inequívoco na sua memória sobre ela. Não sei como não percebi na hora. Só sei que agora eu penso naqueles olhos com amor, mesmo não a tendo conhecido. O que me faz entender um pouco melhor o que Estrela sentiu quando acordou com as lembranças de Peg inundando seu coração.
Ela tinha olhos bonitos, não tinha? Verdes. Lembram um pouco os de Sharon, exceto que eram mais suaves. Mesmo assim, faz com que eu consiga simpatizar um pouco mais com aquela sua sobrinha. Na verdade, eu quase consigo gostar dela quando é gentil com minha filha. Talvez ela não seja tão difícil assim, afinal. Não o tempo todo, pelo menos.
Ela ficou furiosa quando veio até aqui ver o Doc e descobriu o que aconteceu. Por sorte, ouviu a história toda antes de ir contar a Magnólia. Deve ter dado um trabalho enorme para Mel e Doc conseguirem convencê-la de que tinha sido o único jeito, mas, no fim, Maggie até me agradeceu quando veio ver você. E foi como eu soube que as coisas mudaram para elas também.
Obviamente, um "obrigada" rosnado e sem me olhar nos olhos não é lá grande coisa, mas com certeza bate a alternativa. Em outros tempos, meu agradecimento teria sido um tiro na testa.
Dissemos a sua irmã e aos outros que você está dormindo, que seu corpo precisa de um tempo para se recuperar. Felizmente, a maioria do pessoal não tem conhecimento suficiente sobre nossa medicina para contestar isso, principalmente porque parece lógico. Então acho que conseguimos deixar Maggie mais tranquila, mas não sei por quanto tempo. Se ela nos observar com cuidado vai perceber logo, porque às vezes parece meio difícil de disfarçar.
Todos nós estamos preocupados.
Estou tentando não deixar transparecer, não faz sentido acrescentar isso à inquietação dos outros, mas eu tive medo. Fiquei apavorado com a sensação de vazio em minha cabeça e acho que ainda estou assustado, embora me recuse a ficar pensando nisso.
É só que você vai saber quando acordar e você é a pessoa com quem eu falo sobre como me sinto. Não porque eu queira, mas porque você sempre sabe, mesmo quando eu tento esconder.
Então, sim, estou com medo. Estou com muito medo. Principalmente porque eu fiz isso. Não estava tentando, mas eu fiz.
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Coração Deserto 2 - O Futuro O Espera
Fanfiction"Agora entendo que existem infindáveis nuances de cinza entre o branco mais puro e o preto mais escuro. Há inúmeras possibilidades entre a obviedade do certo e o absolutamente errado. Tudo o que me importa agora é que cada uma das decisões erradas q...