Scar tissue that I wished you saw
Sarcastic mister know it all
Close your eyes and I'll kiss you 'cause
With the birds I'll share
With the birds I'll share
This lonely view
With the birds I'll share
This lonely view
(Scar Tissue – Red Hot Chili Peppers)
Kyle
A gente se acostuma com tudo na vida. E consegue até gostar de algumas coisas que, se o mundo fosse do jeito que queríamos, não deveriam estar ali.
Cicatrizes, por exemplo. Você pode fazer o gênero quero-ser-Chuck-Norris e fingir que está perfeitamente confortável com elas, mas a verdade é que até o cara mais durão sente dor e, por um tempo, aquela pele feia, rosada e disforme é um lembrete indesejável daquilo que você gostaria que não fosse verdade. Que você não é melhor que os outros, e que o mundo pode te ferir mesmo que você tente se blindar. Como se fosse possível.
Dor acontece. E não há nada que a gente possa fazer a respeito.
Mas então, num dia qualquer, você se olha no espelho e não odeia mais o que vê. A pele diferente passou a ser parte integrante do resto e as lembranças não doem mais do que as coisas com que você se acostumou a viver. Você passou por aquilo. E acabou. Para o bem ou para o mal, você está ali, pronto para um novo dia.
Patrick James O'Shea era o nome de meu pai. Não sei como ele se chama agora. Quero dizer, a Alma. Eu sei que o velho Paddy não existe mais. Não sou tão burro. Mas às vezes me pego imaginando... Se ele se lembra de nós, de mim. Se ainda existe alguém que possa lembrar as lembranças de meu pai.
Sunny diz que às vezes eles esquecem. Depois de um tempo, quase tudo é apagado quando não se tem nada por perto que os faça lembrar. Ian e eu partimos. Nós o deixamos lá. Então talvez ele não se lembre.
Eu me odeio por isso.
Ou odiava, não sei. Depois de tantos anos, o ódio se tornou uma cicatriz. Assim como as Almas. Não é uma comparação bonita, mas quem liga? Não sou um cara de palavras bonitas, de qualquer maneira. O fato é que Almas são como cicatrizes. Como um todo, quero dizer. A coisa da invasão e de roubar nosso mundo. É parte da gente agora.
Não me entenda mal, a pele ainda está vermelha e sensível. Eu ainda odeio os malditos parasitas. Mas só os que estão lá, do outro lado. Eles podem ser bondosos uns com os outros e aquela coisa toda, mas não são as criaturinhas benevolentes que gostam de pensar que são. Não são perfeitos, embora sejam melhores do que nós.
Eles também matam. Também roubam. É diferente, mas também é igual.
É só que isso já não tem a mesma importância agora. Até eu sei que as coisas não são tão simples. Talvez eu saiba disso até melhor que os outros, porque o fato é que, como todas as cicatrizes, esta se tornou parte de mim. E a coisa com as partes da gente é que acaba se tornando meio antinatural não gostar delas.
Primeiro aconteceu com Ian, depois comigo e, antes que eu pudesse achar que fosse algo de família, aconteceu com os outros também. As Almas vieram e passaram a fazer parte de quem somos. Do nosso grupo. De nossa sobrevivência. E, de repente, gostávamos delas. Mais do que gostávamos. De repente, não havia mais o outro lado no que dizia respeito a elas. Sem que tivéssemos percebido, tínhamos nos tornado uma coisa só.
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Coração Deserto 2 - O Futuro O Espera
Fiksi Penggemar"Agora entendo que existem infindáveis nuances de cinza entre o branco mais puro e o preto mais escuro. Há inúmeras possibilidades entre a obviedade do certo e o absolutamente errado. Tudo o que me importa agora é que cada uma das decisões erradas q...