Flores de Plástico

70 9 3
                                    


A green plastic watering can

For a fake chinese rubber plant

In the fake plastic earth

(...)

But I can't help the feeling

I could blow through the ceiling

If I just turn and run

And it wears me out, it wears me out

It wears me out, it wears me out

And if I could be who you wanted

If I could be who you wanted

All the time, all the time

(Fake Plastic Trees – Radiohead)

Logan

Eu não os culpava, era uma conclusão difícil de se chegar. E ao mesmo tempo também não era. Difícil e complicada, porque exigia um nível de abnegação de que talvez nem mesmo Almas fossem capazes, no entanto tornava-se cada vez mais óbvia.

Não podíamos mais requisitar hospedeiros novos, era muito difícil agora. Os Buscadores tinham desistido de capturar sobreviventes, já que sua consciência do que aconteceria os tornava hospedeiros resistentes e praticamente inviáveis. E Almas em corpos de crianças eram cada vez mais raras, porque no processo de esperar que seus filhos crescessem o mínimo para uma inserção, a maioria dos pais desistia do intento, apaixonando-se pelo pequeno humano que dependia de sua proteção e cuidados. As poucas que existiam tinham, ao lado das crianças normais, uma existência que beirava o artificialismo de flores de plástico. Para mim, particularmente, pareciam aberrações, embora não fosse exatamente justo pensar nesses termos. Ainda assim, eu não devia ser o único a julgá-las estranhas.

Simplesmente porque acompanhar o crescimento de uma criança humana é algo único e surpreendente que ocupa todos os demais aspectos da vida de uma pessoa. E com as Almas não existia isso. Havia descobertas, sim, um aprendizado concomitante ao amadurecimento do corpo, mas sem aquela pureza poética de quem via tudo pela primeira vez. E única. Era amedrontador e ao mesmo tempo perfeito saber que aqueles seres e suas vidas eram únicas, tornava-os ainda mais especiais.

Por isso escolhíamos para nossos filhos a finitude iminente de mantê-los humanos. Por isso nossas vidas potencialmente imortais não pareciam fazer sentido se nossos anos ao lado deles fossem substituídos por flores de plástico. Não valia a pena se fôssemos lembrados o tempo todo de nossa própria artificialidade, que, para mim, só desvanecia diante da consciência de que estávamos deixando um mundo limpo e melhor para as novas gerações.

Para eles. Os herdeiros biológicos daqueles cujas vidas tomamos. Para nossa sobrevivência e perpetuação, sim, por isso não podia haver arrependimentos. Mas também para salvar o futuro da Terra. E agora esse trabalho estava feito.

Nunca pensei nessas coisas antes — nem tinha razões para isso —, mas nós não podíamos ficar aqui. Não para sempre. Este mundo pertencia aos nossos filhos, e aos filhos deles no futuro. Este mundo pertencia aos humanos.

É claro que eu não esperava que fosse fácil provar esse ponto. Não, isso não aconteceria durante o tempo de Lindsay e John na Terra. Nem um dos humanos que eu conhecia e amava veria o dia em que seu mundo seria restituído aos seus donos por direito. Eu também não veria. Mas se eu estava convencido de que era a coisa certa a fazer, passaria o resto da minha vida convencendo outros também.

Coração Deserto 2 - O Futuro O EsperaOnde histórias criam vida. Descubra agora