Capítulo 1 - Isolados

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As nuvens passeavam pelo céu, estufadas e lúdicas, impedindo o sol de aquecer a terra tanto quanto poderia. Flutuavam devagar, amarelas como campos de trigo, atravessadas por serenos raios de luz já levemente alaranjados em um firmamento que insistia em permanecer azul.

Em pé diante do Rio da Discórdia, que seguia lépido seu curso, ele olhava além. Não conseguia discernir sequer contornos, grosseiros que fossem, das Montanhas do Céu --- o limite do deserto de Imiorina, que se estendia impiedoso e seco num horizonte a perder de vista. Atrás de si ficava a pálida colina que ele contornou pra chegar àquelas paragens aos pés d'água, afastadas do centro da cidade mas nem por isso difíceis de encontrar; apenas o suficiente para que ele e seus alunos ficassem distantes, isolados.

Estava em pé porque não gostava de se sentar. Não ali, não naquele momento; não pensando em quem deveria ser. Não quando não se continha em si mesmo de nervoso entusiasmo. Juntava as mãos inquietas atrás das costas, sentindo a aspereza rude das vestes marrons, andando de um lado para o outro de vez em quando.

--- Mestre? --- Disse uma distante voz feminina à esquerda.

--- Estou aqui! --- Respondeu ele, pigarreando em seguida. Logo viu surgir por detrás da colina uma mulher de rosto abatido e um longo vestido roxo. Apressou os passos abertos, andando até ele com um corpo largo e cabelos dourados sem brilho.

--- Boa tarde, mestre!

--- Boa tarde, Enrita.

O professor baixo e calvo, com um rosto que a escassez emagreceu mas não tornou menos redondo, voltou a olhar para o rio enquanto a aprendiz sentava ao pé do morro. Outros alunos foram chegando; sozinhos ou em grupos. Serenos e sorridentes, heterogêneos e simpáticos, juntaram-se em uma pequena multidão de vinte e seis pessoas. A quantidade de homens e mulheres era bastante igual, com tantos jovens quanto adultos, mas sem nenhuma pessoa mais velha.

Lamar, desfazendo a posição dos braços, passou a segurar as duas mãos à frente do corpo, como se uma precisasse acalmar a outra. Tudo tinha dado certo na última vez em que estiveram naquele lugar --- isto é, considerando quão errado tudo poderia ter dado. Fazer aquilo era arriscar muito, como ele já havia, a seu modo, amargamente aprendido.

--- Bom... --- Começou ele, esfregando as mãos. --- Já que todos estão aqui, então... Podemos começar.

Lamar girava o pescoço, tentando captar num só olhar todos aqueles rostos obstinadamente curiosos. Sorriu, o nervosismo escapando pelas narinas, e logo inspirou a certeza de que todos ali estavam sedentos pelo saber que lhes era proibido.

--- Hoje nós vamos começar a treinar um ataque. Um ataque bastante simples. --- A mudança de postura e os inibidos murmúrios de excitação indicavam interesse. --- Na verdade, eu penso que essa é a técnica mais simples de todas.

Alguns homens realmente jovens, vestindo coletes de couro por cima de largas camisas azuis, o observavam ainda mais suspensos em expectativa, à esquerda. Lamar fez um esforço mental para se lembrar do nome deles, mas não conseguiu.

Aquilo não era realmente um problema --- afinal, lembrava do nome de muitos outros. Havia alguém lá, porém, que não lhe era nem um pouco familiar. Parecia um homem, e confundia não apenas sua aparência como também a atitude; algo de todo incomum, sem dúvida, ainda que o parâmetro de comum não estivesse bem estabelecido ainda. Usava uma veste laranja, grossa, longa e chanfrada, e por cima uma grande capa negra, com um capuz em que o tecido sobrava. Lamar não conseguia ver o rosto por debaixo dos panos.

--- Então... --- disse ele, num rompante, seguindo um impulso de continuar a aula. Poderia interpelar o aluno novo mais tarde; não havia tempo a perder. --- Vamos formar pares, sim?

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora