Capítulo 20 - Perspectivas

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Dalki estava sentado em um grande sofá marrom com os joelhos distantes e a ponta dos dedos na têmpora. Olhava para a penumbra de sua casa, no centro de Al-u-een. A sala combinava a cor do sofá ao amarelo das paredes com uma atitude positiva, e nada da harmonia branda do espaço era afetado por minérios porque Dalki gostava de ficar não apenas sozinho --- tarefa fácil, já que morava sozinho --- mas também no escuro. A pouca luz vinha do lado de fora apenas, dos postes da cidade.

Dalki era o chefe de polícia. De costas largas, o homem cultivava uma aparência simples; tinha uma grande marca de nascença na bochecha direita, que ocupava quase um quarto do rosto. O formato de seus olhos sugeria que ele era um homem triste, mas a verdade é que na maioria das vezes estava inexpressivamente contente. Se não com seus resultados, pelo menos com os desafios que lhe eram dados. Afinal de contas, ser um policial era um trabalho complexo: Al-u-een almejava ter na realidade a justiça que se punha na cabeça das crianças. Ele, portanto, precisava evitar a ação dos magos, prendendo-os ou banindo-os da cidade caso fossem descobertos --- qualquer mago que fosse, sem se preocupar com o modo como uns desenhavam os outros. Bandidos ou mocinhos, ninguém sairia impune de um assassinato. Não se Dalki pudesse evitar.

O caso em que ele se envolvera no dia anterior era peculiar. Hourin, notável parlamentar, fora mortalmente ferido com uma espada atravessando-lhe o peito. Influente e rico, sempre gerou a ira de parcela da população que acreditava nos boatos acerca de seu status enquanto mago. Ele, no entanto, negava o rumor --- obviamente --- e jamais algo substancial foi encontrado.

Dalki foi chamado por um homem que morava na rua de Hourin, onde os vizinhos ouviam gritos desesperados vindo da casa do político. Quando ele e mais dois policiais chegaram lá, não havia mais gritos. Espadas em punho, arrombaram juntos a porta da casa e procuraram por um pressuposto agressor no andar de baixo. Não viram ninguém.

Subiram e começaram a vasculhar os quartos. Começavam a chamar por Hourin quando abriram a porta do quarto de sua filha. Viram a própria, lívida e ensanguentada, deitada na cama, virada para a direita; ele, de bruços no chão, o peito levemente sustentado na direção da garota pela espada, que ainda estava lá.

A primeira coisa que Dalki fez foi verificar a pulsação da filha --- ele, certamente, não sobrevivera; além disso, se os gritos eram femininos, ela ainda estava viva quando presenciou o ferimento do pai. Ardendo em febre, lutava pela vida. Dalki chamou os outros policiais e disse para um deles trazer imediatamente uma charrete. O outro deveria alertar a casa de saúde da cidade, para onde ela deveria ser levada.

As portas não aparentavam violação, e todas as janelas estavam fechadas. As cortinas estavam cerradas também. Ao analisar o quarto onde encontrara a vítima, viu que os caules das flores do parapeito estavam quebrados, como se tivessem sido amassados. No beco em frente à janela viu uma longa escada de ferro que alcançava o segundo andar da casa.

Procurou superficialmente pela casa por algum papel solto e rabiscado: algum tipo de carta explicando o assassinato. Se Hourin fosse mesmo um mago, poderia ter sido morto por um filinorfo; alguém que acreditasse estar agindo em função de alguma nobreza de alma. Nesse caso, era possível que tivessem deixado uma explicação, um manifesto, um desenho que fosse explicando o motivo do crime. Nada encontrou.

Procurou por indícios de que fosse um ladrão: se algo fora roubado, então talvez o assassino tenha subido a escada, fugindo de Hourin. Ao ser encurralado no quarto do segundo andar, vencera Hourin em uma luta. Uma altercação explicaria a presença de uma segunda espada no quarto da filha. Isso, evidentemente, excluiria a noção de que Hourin fosse um mago. Um mago não chegaria a ser uma pessoa da importância de Hourin se não fosse capaz de repelir um mero ladrão com alguma artimanha. Contudo, não havia sinais claros de que algo havia sido roubado, pelo menos não com pressa. Tudo parecia estar em seu devido lugar à primeira vista. Dalki cuidou para que uma segunda vista começasse.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora