O pequeno riacho que descia das colinas cheias de árvores passava furtivamente pela clareira dos al-u-bu-u-na e entrava novamente na mata. Nariomono, que todos ali conheciam por Narion, seguiu o curso d'água até avistar o que procurava: A sombra de uma árvore cheia de histórias. Naquele momento, ela significava apenas um lugar afastado da reunião, onde poderia refletir em paz.
Agachou-se, acomodando os pés na terra escura até descobrir o lugar ideal para eles. Ouvia ao falso silêncio da mata, permitindo que aquilo lhe trouxesse harmonia. Ficara um pouco inquieto na presença dos magos, não sabia bem o porquê. Não confiava neles, embora sentisse uma espécie de simpatia que ele tratava de abafar.
Narion era o tradutor da aldeia, responsável por qualquer comunicação com "o mundo do lado de fora". Sabia falar a língua moderna --- que nunca ouvira ser designada como uma língua diferente, o que o irritava consideravelmente --- porque passara cerca de quatro rosanos em Ia-u-jambu. Saíra, vira o mundo em toda sua exótica glória, e retornara incólume.
Olhou para o alto, com as negras pupilas dançando ao focalizar diferentes folhas, galhos e tons de verde. Não voltara incólume da viagem, ao contrário do conceito popular que o transformava pouco a pouco em quase mito.
***
Narion era um guerreiro com um inimigo particular. Na floresta Al-u-bu, lugar que o coração jamais abandonou, estava tudo que ele aprendera a amar, mas também dois dos maiores perigo que conhecera. Um deles era um perigo que vinha de dentro. Algo que nunca ia embora; apenas repousava, suspenso no ar.
Desde pequeno experimentava aquilo que não ousava nomear. Sensação forte e quente que o envolvia e o embebia pouco a pouco em insanidade --- e vontade.
Lembrava-se com nitidez do dia em que ele e três amigos brincavam na mata, cansando-se por esporte em uma dança chamada treneor. Os passos de treneor eram simples, mas ficavam mais complicados, já que a ideia era que a velocidade crescesse com o tempo. Encaixados pelos quadris, as duplas pisavam para frente e para trás, seguindo o ritmo que todos cantarolavam com vozes ribombantes.
--- U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U...
Não deviam ter mais de doze rosanos; os garotos, Nariomono e Kanmono, e as garotas, Kamoni e Barmoni --- ou simplesmente Narion, Kan, Kami e Bari. Cada afastamento por parte de um dos integrantes da dupla significava uma chance de fazer algo diferente. Narion dançava com Bari e, levando os braços à frente, a jogou para trás, para depois puxá-la novamente em um giro rápido, que terminou com um giro dele mesmo. Logo estavam de volta à mesma posição de antes.
Dançar era divertido, mas não deixava de ser um jogo --- um dos mais complexos, no qual Kan e Kami eram melhores. Conheciam mais movimentos. Com uma sutil indicação de Kami, Kan girou, mas logo foi travado pelo braço direito dela, que o girou na direção oposta. Ela então girou pelas costas, agachou-se para depois subir rapidamente, e os dois acabavam de frente um para o outro de novo. Com suavidade uniam-se, voltando para a dinâmica mais simples da dança, que ficava ainda mais rápida.
--- U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U...
Dançar exigia coordenação e intimidade. Qualquer parceiro poderia tomar a iniciativa de se afastar, dando início a uma série de passos em que os dançarinos precisavam indicar o que podiam e queriam fazer. Entender os limites, as intenções e as vontades do outro era uma capacidade vital para não sair do ritmo ou estragar a dança com um movimento que não poderia ser desfeito, levanto inevitavelmente à confusão dos parceiros e à derrota.
--- U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U...
Narion suava e ofegava, tomando a dianteira: olhara para o que Kan fazia e tentava duplicar aquilo tudo. Não ia em frente por receber intenções contrárias de Bari, que não se sentia segura de acompanhá-lo. Narion acabava tendo que fazer o que a parceira podia, embora ele sabia que podia fazer o que o amigo podia.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...