A charrete, simplíssima, descia as colinas suaves e convidativas a pequena distância do Rio da Discórdia. Os viajantes vestiam roupas ainda mais longas do que as esperadas na baixa temperatura: casacões negros e calças pardas, além de panos que cobriam a cabeça, deixando espaço para o nariz e os olhos.
Retornar à cidade de origem pela segunda vez era algo surpreendentemente novo. Desde quando voltara da vida que vivera em Kerlz-u-een já não via Prima-u-jir com os mesmos olhos. Não tinha os mesmos olhos; eles ficaram para trás. Tudo havia mudado. Da primeira vez, voltara com uma companheira e um filho, com um propósito oculto e com mais experiência. Era um ser novo em pele antiga.
Dessa vez era diferente. Voltava sem a mulher e o filho, mas com a ciência de que logo os sentiria mais próximos que nunca. Tinha também outros olhos, outra mente e um coração razoavelmente mais fibroso. Seu propósito era um só: sair daquela cidade e morar onde fosse aceito. Tinha que conhecer seus limites antes que pagasse um preço alto demais. Não tinha mais a família para a qual uma vez voltou --- aquela se foi, decomposta por julgamentos e medos de toda sorte. Todo aquele bosque, todas aquelas jirs; toda aquela gente pouco significava agora.
--- Para onde vamos? --- Perguntou ele.
--- Primeiro vamos fazer uma visita. --- Respondeu o condutor, falando mais alto para que a voz ultrapassasse os panos ao redor da boca. --- Descobrir se está tudo bem.
--- Certo.
Lamar virou o pescoço para o norte, que expressava promessas e desafios com a ousadia dos invencíveis --- como se, querendo pôr-se como prova à coragem do alorfo, punha-se entre ele e aqueles que ele amava. Roun, o sol, menos provocador, estava no topo dos céus, de onde logo desceria com moribundo conforto; entregava-se a Nauimior para que Heelum pudesse existir, e Lamar sentia-se grato. Em apenas cinco dias Inasi-u-sana chegaria ao fim e Roun se tornaria mais forte. A força não o impediria de sucumbir no fim do dia, é claro, todos os dias. Lamar esperava adquirir com o tempo aquele tipo de sabedoria, que ele não sabia explicar e dissecar, mas silenciosamente admirava.
***
A parte preocupante era estar no centro: Lamar poderia ser reconhecido e todo o plano cair por terra. Tornero e Byron poderiam aparecer a qualquer momento.
Mas isso não aconteceu. Cortaram caminho o quanto puderam por ruelas de pedra e às vezes mesmo puro chão batido: estranhos, certamente que poderiam chamar a atenção. A paranoia crescia, e alcançou um pico particular quando chegaram a uma esquina entre duas largas ruas. Kerinu parou a charrete em frente a uma pequena casa baixa, e os pelos de Lamar se eriçaram.
--- Quem mora aqui? --- Perguntou Lamar.
Kerinu desceu da charrete, e Lamar logo fez o mesmo. Checaram duas ou três vezes a retaguarda. Ninguém parecia particularmente interessado neles.
--- Nosso contato. --- Respondeu Kerinu, baixinho.
Seu castelo estava ali desde que chegaram, e a cada passo tornava-se mais vivo e presente. Lamar o enxergara rapidamente, logo voltando a se concentrar na curta caminhada até a soleira da porta. Demorou um pouco mais do que eles secretamente desejavam, mas alguém abriu caminho para dentro da residência.
Lamar a olhou como pôde com o rosto coberto. A mulher de cabelos castanho-escuros deixou-os entrar sem precisar pedir por segredos. Deslizou o corpo com pesada suavidade e fez um gesto bruto com a mão. Não os encarou; preferiu o chão.
Os visitantes ficaram parados na entrada da pequena sala. Havia apenas duas poltronas, e nenhum dos homens avançou sobre um assento. Não foi problema para Caterina, que sentou-se virando para eles.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...