Capítulo 60 - Refém

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A charrete, simplíssima, descia as colinas suaves e convidativas a pequena distância do Rio da Discórdia. Os viajantes vestiam roupas ainda mais longas do que as esperadas na baixa temperatura: casacões negros e calças pardas, além de panos que cobriam a cabeça, deixando espaço para o nariz e os olhos.

Retornar à cidade de origem pela segunda vez era algo surpreendentemente novo. Desde quando voltara da vida que vivera em Kerlz-u-een já não via Prima-u-jir com os mesmos olhos. Não tinha os mesmos olhos; eles ficaram para trás. Tudo havia mudado. Da primeira vez, voltara com uma companheira e um filho, com um propósito oculto e com mais experiência. Era um ser novo em pele antiga.

Dessa vez era diferente. Voltava sem a mulher e o filho, mas com a ciência de que logo os sentiria mais próximos que nunca. Tinha também outros olhos, outra mente e um coração razoavelmente mais fibroso. Seu propósito era um só: sair daquela cidade e morar onde fosse aceito. Tinha que conhecer seus limites antes que pagasse um preço alto demais. Não tinha mais a família para a qual uma vez voltou --- aquela se foi, decomposta por julgamentos e medos de toda sorte. Todo aquele bosque, todas aquelas jirs; toda aquela gente pouco significava agora.

--- Para onde vamos? --- Perguntou ele.

--- Primeiro vamos fazer uma visita. --- Respondeu o condutor, falando mais alto para que a voz ultrapassasse os panos ao redor da boca. --- Descobrir se está tudo bem.

--- Certo.

Lamar virou o pescoço para o norte, que expressava promessas e desafios com a ousadia dos invencíveis --- como se, querendo pôr-se como prova à coragem do alorfo, punha-se entre ele e aqueles que ele amava. Roun, o sol, menos provocador, estava no topo dos céus, de onde logo desceria com moribundo conforto; entregava-se a Nauimior para que Heelum pudesse existir, e Lamar sentia-se grato. Em apenas cinco dias Inasi-u-sana chegaria ao fim e Roun se tornaria mais forte. A força não o impediria de sucumbir no fim do dia, é claro, todos os dias. Lamar esperava adquirir com o tempo aquele tipo de sabedoria, que ele não sabia explicar e dissecar, mas silenciosamente admirava.

***

A parte preocupante era estar no centro: Lamar poderia ser reconhecido e todo o plano cair por terra. Tornero e Byron poderiam aparecer a qualquer momento.

Mas isso não aconteceu. Cortaram caminho o quanto puderam por ruelas de pedra e às vezes mesmo puro chão batido: estranhos, certamente que poderiam chamar a atenção. A paranoia crescia, e alcançou um pico particular quando chegaram a uma esquina entre duas largas ruas. Kerinu parou a charrete em frente a uma pequena casa baixa, e os pelos de Lamar se eriçaram.

--- Quem mora aqui? --- Perguntou Lamar.

Kerinu desceu da charrete, e Lamar logo fez o mesmo. Checaram duas ou três vezes a retaguarda. Ninguém parecia particularmente interessado neles.

--- Nosso contato. --- Respondeu Kerinu, baixinho.

Seu castelo estava ali desde que chegaram, e a cada passo tornava-se mais vivo e presente. Lamar o enxergara rapidamente, logo voltando a se concentrar na curta caminhada até a soleira da porta. Demorou um pouco mais do que eles secretamente desejavam, mas alguém abriu caminho para dentro da residência.

Lamar a olhou como pôde com o rosto coberto. A mulher de cabelos castanho-escuros deixou-os entrar sem precisar pedir por segredos. Deslizou o corpo com pesada suavidade e fez um gesto bruto com a mão. Não os encarou; preferiu o chão.

Os visitantes ficaram parados na entrada da pequena sala. Havia apenas duas poltronas, e nenhum dos homens avançou sobre um assento. Não foi problema para Caterina, que sentou-se virando para eles.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora