Lamar acordou com o barulho de porta que já lhe era familiar. Levantou-se e esfregou os olhos, percebendo que a luz do sol entrava timidamente na cela, abafada por uma atmosfera úmida. Do céu caíam gotas d'água de grosso calibre.
Virou-se e demorou alguns segundos até reconhecer o homem moreno que entrava nas celas, escoltado por um guarda. Seu cabelo negro e levemente encaracolado, seus escuros olhos de cansaço intermitente, seu rosto macilento --- tudo estava em seu exato lugar. Uma torta capa cinza de viagem, por cima de roupas esgotadas de algodão e lã, cobria o corpo relativamente alto do amigo de Kerlz-u-een.
Do lado de dentro veio um sorriso apodrecido, tanto mais sincero quanto mais os segundos passavam; do lado de fora, um rosto fechado, simpático de relance. Quando os dois lados se encontraram, no limiar, um abraço forte os uniu.
--- Kerinu... --- Lamar disse, buscando o ar com força. A pressão encheu os olhos com lágrimas furtivas, que arderam. --- Kerinu, eu... Me desculpe...
--- Tudo bem. --- Disse Kerinu, afastando o abraço. Parecia ocupado observando alguma coisa acima do ombro do amigo.
--- O-os dois estão bem?
--- Bem, todos bem... --- Disse ele, ainda perdido.
--- Eles não podem me visitar?
--- É perigoso. --- Respondeu Kerinu, em um tom de última palavra, finalmente olhando para Lamar.
Algo estava certamente fora do padrão, mas havia algo a mais no ar. Lamar sentia-se desconfortável --- ao invés de livre --- na presença dele.
--- E-Eles sabem de mim, pelo menos?
--- Sabem. Tentaram te ver, mas a polícia não deixou. Lamar... --- Ele deu uma olhada de esguelha para o guarda, de frente para os dois do lado de fora da cela. --- Como tem dormido?
--- Mal. Muito mal, Kerinu, durmo mais de dia que de noite, e...
--- Que pena... --- Kerinu piscou com o olho esquerdo. --- Acho que não posso te ajudar com isso. Você vai continuar passando muitas noites ruins aqui.
Lamar balançou a cabeça. Lembrava-se mais e mais, pelo exercício indiscreto, do que era sorrir. Ainda assim, nem mesmo sob a proteção dos ângulos certos Kerinu sorria.
--- Farei o possível pra ajudar. --- Terminou ele.
Surpreendendo o policial, que imaginava que aquilo ia durar mais, Kerinu foi embora sem nem olhar para trás.
Lamar estava simultaneamente tranquilo, preocupado e animado. Tinha vontade de elevar o braço, clamando pelo retorno do amigo, mas ele se fora rápido demais. Voltou para seu canto e fechou os olhos, pensando em Myrthes e Ramon. Estavam bem, "todos bem". Tal pensamento o manteve acordado, e depois o fez dormir melhor que a chuva no telhado.
***
Prima-u-jir não ficava acordada até tarde. As casas da cidade exibiam luzes envergonhadas durante a madrugada, e raríssimos noctívagos ocupavam varandas e janelas com seus sonhos e suspiros.
Apenas um policial era responsável pela guarda da cadeia. Quando não havia nenhum preso, ou algum que não importasse tão pessoalmente a Byron ou a algum outro parlamentar, não havia sequer um policial --- mas com Lamar, as coisas mudaram. Uma mulher de rosto duro e fino, com um escuro cabelo preso para trás com uma tira de algodão, cuidava da mal-cuidada sala de entrada da prisão. Vestia o negro uniforme policial da cidade, e passava aquelas horas solitárias entre o sono e a entediada vigília.
Olhou para o relógio na parede, uma combinação horrenda de tinta azul e vermelha por sobre pedaços de madeira em vários pontos rachada. Já passava das três horas da manhã, e ela não teria companhia até as quatro e meia. Sentiu os olhos pesados novamente, as pálpebras escorregando de encontro ao chão.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...