Capítulo 42 - A potência de ceder

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Lamar acordou com o barulho de porta que já lhe era familiar. Levantou-se e esfregou os olhos, percebendo que a luz do sol entrava timidamente na cela, abafada por uma atmosfera úmida. Do céu caíam gotas d'água de grosso calibre.

Virou-se e demorou alguns segundos até reconhecer o homem moreno que entrava nas celas, escoltado por um guarda. Seu cabelo negro e levemente encaracolado, seus escuros olhos de cansaço intermitente, seu rosto macilento --- tudo estava em seu exato lugar. Uma torta capa cinza de viagem, por cima de roupas esgotadas de algodão e lã, cobria o corpo relativamente alto do amigo de Kerlz-u-een.

Do lado de dentro veio um sorriso apodrecido, tanto mais sincero quanto mais os segundos passavam; do lado de fora, um rosto fechado, simpático de relance. Quando os dois lados se encontraram, no limiar, um abraço forte os uniu.

--- Kerinu... --- Lamar disse, buscando o ar com força. A pressão encheu os olhos com lágrimas furtivas, que arderam. --- Kerinu, eu... Me desculpe...

--- Tudo bem. --- Disse Kerinu, afastando o abraço. Parecia ocupado observando alguma coisa acima do ombro do amigo.

--- O-os dois estão bem?

--- Bem, todos bem... --- Disse ele, ainda perdido.

--- Eles não podem me visitar?

--- É perigoso. --- Respondeu Kerinu, em um tom de última palavra, finalmente olhando para Lamar.

Algo estava certamente fora do padrão, mas havia algo a mais no ar. Lamar sentia-se desconfortável --- ao invés de livre --- na presença dele.

--- E-Eles sabem de mim, pelo menos?

--- Sabem. Tentaram te ver, mas a polícia não deixou. Lamar... --- Ele deu uma olhada de esguelha para o guarda, de frente para os dois do lado de fora da cela. --- Como tem dormido?

--- Mal. Muito mal, Kerinu, durmo mais de dia que de noite, e...

--- Que pena... --- Kerinu piscou com o olho esquerdo. --- Acho que não posso te ajudar com isso. Você vai continuar passando muitas noites ruins aqui.

Lamar balançou a cabeça. Lembrava-se mais e mais, pelo exercício indiscreto, do que era sorrir. Ainda assim, nem mesmo sob a proteção dos ângulos certos Kerinu sorria.

--- Farei o possível pra ajudar. --- Terminou ele.

Surpreendendo o policial, que imaginava que aquilo ia durar mais, Kerinu foi embora sem nem olhar para trás.

Lamar estava simultaneamente tranquilo, preocupado e animado. Tinha vontade de elevar o braço, clamando pelo retorno do amigo, mas ele se fora rápido demais. Voltou para seu canto e fechou os olhos, pensando em Myrthes e Ramon. Estavam bem, "todos bem". Tal pensamento o manteve acordado, e depois o fez dormir melhor que a chuva no telhado.

***

Prima-u-jir não ficava acordada até tarde. As casas da cidade exibiam luzes envergonhadas durante a madrugada, e raríssimos noctívagos ocupavam varandas e janelas com seus sonhos e suspiros.

Apenas um policial era responsável pela guarda da cadeia. Quando não havia nenhum preso, ou algum que não importasse tão pessoalmente a Byron ou a algum outro parlamentar, não havia sequer um policial --- mas com Lamar, as coisas mudaram. Uma mulher de rosto duro e fino, com um escuro cabelo preso para trás com uma tira de algodão, cuidava da mal-cuidada sala de entrada da prisão. Vestia o negro uniforme policial da cidade, e passava aquelas horas solitárias entre o sono e a entediada vigília.

Olhou para o relógio na parede, uma combinação horrenda de tinta azul e vermelha por sobre pedaços de madeira em vários pontos rachada. Já passava das três horas da manhã, e ela não teria companhia até as quatro e meia. Sentiu os olhos pesados novamente, as pálpebras escorregando de encontro ao chão.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora