Fjor e Leo vinham andando lado a lado, abraçados; Beneditt vinha logo à frente, ofegante, com um sorriso que exalava completude estampado no rosto. Leila vinha correndo, quase aos prantos, ainda que misturados a risadas intermitentes. Depois de tocar mais nove canções, os músicos esperavam descansar um pouco antes de dar a noite por encerrada.
Leila foi a primeira a entrar na sala, esbarrando a porta para abri-la. Quase caiu, mas se recuperou, e aos tropeços jogou-se no sofá, soluçando de alegria por alguns segundos. Seus olhos miravam o teto, mas na verdade ela olhava o nada à sua frente; uma simples alternativa a fechar os olhos. A euforia a dominava e seus pensamentos eram confusos. Havia tantos momentos para relembrar, tanto para repensar --- se pudesse, reviver! Os rostos dos companheiros, do público; os sucessos e os pequenos, quase imperceptíveis, fracassos --- que noite incrível, incrível havia sido aquela!
Ao lado, os amigos se abraçavam e riam, congratulando um ao outro. De alguma forma ela sentia que naquele momento não deveria fazer parte daquilo. Queria seu próprio espaço, seu momento para si; um momento de silêncio depois de tanta música. Tinha, é claro, que fabricar o próprio silêncio e a própria paz, uma vez que os garotos tinham o mais comum tipo de euforia; aquela que obriga as palavras a saírem, ligeiras e por vezes sem sentido, da boca para fora.
Com olhos que misturavam o brilho do suor com o brilho de incipientes lágrimas, os homens reforçavam laços de sangue e amizade. Leila se perguntava se eles conseguiam sentir o quanto suas solidões continuavam intactas, erguidas como muralhas ao redor de todo humano, cada um vivendo em um casaréu particular, com cortinas fechadas e janelas empoeiradas. Aquilo fascinava as entranhas de Leila, que sentia como se elas se esmagassem depois de cada sucesso, de cada vitória. Sentia falta do pai.
Beneditt passava a mão no cabelo, que pingava suor. Por dentro, estava finalmente em paz, encostado à parede como estava. Leo e Fjor serviam-se de água num apêndice arquitetônico nos fundos da sala, perto do sofá.
Alguém bateu à porta. O susto, apesar de pequeno, foi geral. Olhares logo se cruzaram, como se todos precisassem de respostas que sabiam que ninguém tinha. Leo deu uma última olhada sem sentido para Beneditt e, largando o copo em cima da mesa encostada à parede, atravessou a sala.
O homem do lado de fora deu um sorriso singelo quando viu aquele jovem, com um cabelo incrivelmente --- já que era tão curto, pensou Seimor --- bagunçado e um nariz pouco notável por qualquer particularidade. Leo exibiu um rosto neutro ao observar o homem gordo, careca e possivelmente trinta rosanos mais velho.
--- Posso entrar? --- perguntou Seimor, apontando para o interior da sala.
Leo, temeroso, ampliou a abertura da porta e lançou olhares para Beneditt, mais próximo a ele, e Fjor, que voltava ao centro da sala com um copo de água na mão.
Seimor entrou devagar, olhando para todos, demorando-se em cada um. Os olhares de Leo procuravam por ajuda --- ajuda para entender; queria poder confirmar que seus pares também nada sabiam sobre aquele homem. Os olhares de Seimor estabeleciam uma cordialidade fugaz. Com uma expressão facial séria, o largo e espaçado rosto parecia investigar com pacífico escrutínio os músicos antes de decidir se mereciam ou não uma saudação.
Os olhos de Seimor eram de um castanho-escuro muito vivo. Quando encontraram os olhos castanhos com um leve toque de verde de Leila, provocaram um calor --- e uma determinação --- que o fustigavam ao extremo. Ela sentiu-se apenas curiosa pelas intenções daquele homem, que passava considerável tempo a mais olhando para ela ao invés de dizer logo a que veio.
--- E o seu nome é... ? --- Perguntou Leo.
--- Meu nome é Seimor. Sou um agente musical.
Os olhares se transformaram, cruzando-se em um ritmo alucinante demais para registrar; Leila sentou-se no sofá, pois a posição relaxada em que estava não condizia com seu estado de alerta. Ela buscou o olhar de Leo, que olhou para Fjor; este olhou para o chão no instante do anúncio, com medo de que engasgasse. Beneditt procurou olhar para Leila, mas quando esta tentou olhá-lo de volta, ele já havia buscado o olhar de Leo no momento em que este olhava de volta para o homem --- enquanto Fjor tentava, em vão, comunicar-se com Leo.
![](https://img.wattpad.com/cover/7093442-288-k565317.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasiaNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...