Jen saiu de casa e trancou a porta vermelha. Olhou para cima, onde o telhado azul podre fazia as vezes de seta. O resto da casa, pequenina e bem moldada, toda bordô em tijolos finos, ficaria vazia por um bom tempo.
Pisou na rua e se concentrou na tarefa. Tinha certeza de que pôs tudo o que precisava na pequena mala gorda. Encaixou-a no fundo da charrete, junto à de Richard, e deixou os braços caírem e balançarem como um pêndulo após o esforço. O céu claro, deixando Roun desimpedido, afastava o frio, trazia pra mais perto a fadiga e mantinha a distância segura a preguiça. Do outro lado da contenda estava o medo; expectativa azul frente ao desconhecido. Distante, mas similar o suficiente para ser confundido com a letargia que desencoraja quem não precisa de fato viajar.
--- Já podem ir? --- Perguntou Christine, aproximando-se com o mesmo divertido olhar de esguelha que sempre lançava a Jen.
--- Desse jeito até parece que você está feliz por se ver livre de mim.
Christine riu enquanto as pressões do abraço se encontravam, fortes.
--- Você realiza um sonho seu e um meu vai junto. Me parece bom!
Jen ficou boquiaberta, e Christine riu mais ainda, travessa. Quando as risadas cansaram, Jen pensou pela mais cansativa das vezes no porte da viagem na qual estaria prestes a embarcar.
--- Eu vou ficar fora por muito tempo.
--- Uma estação?
--- Duas... Se tivermos sorte.
--- Richard é legal. Você vai se divertir com ele.
Kinsley havia aceito a proposta de pesquisa. Financiaria tudo, do próprio bolso. Jen nunca imaginara que levaria a cabo aquele sonho louco; a Universidade nunca a ajudaria. Eram muitos os riscos envolvidos.
--- Ou talvez eu me canse...
Teria todas as despesas pagas: viajaria de charrete até Al-u-tengo, passando por Enr-u-jir, contando com muitas provisões. Teria Richard, o guardião das reuniões secretas, como guia. Lá contratariam um guerreiro do exército da cidade, e então partiriam novamente. Iriam de charrete somente até Rirn-u-jir, a cidade da chuva, na passagem entre as duas Grandes Cordilheiras do Noroeste. De lá abandonariam o veículo e seguiriam pela floresta da região a pé até chegar ao Pântano dos Furturos, onde encontrariam o que procuravam.
Richard se aproximava da charrete trazendo uma caixa cheia até a borda de doces marrons.
--- Não seria uma viagem divertida sem marrom. --- Explicou, causando tristes sorrisos.
--- Boa viagem. --- Desejou Chris, enfim.
--- Obrigado. --- Respondeu ele, ajeitando os novos suprimentos junto ao resto da bagagem.
--- Adeus, Chris.
--- Até mais, Jen. --- Censurou ela. --- Até mais.
Richard subiu na charrete, com Jen fazendo o mesmo pelo outro lado. Christine se afastou quando Richard, com um movimento rápido e decidido, fez os dois yutsis avançarem devagar pela ruela à frente da casa de Jen.
***
Os dois viajantes logo chegaram ao início da estrada que saía para o oeste, circulando o Lago do Meio. Foi no ponto em que o rio de mesmo nome deságua no lago que Ia-u-jambu fora construída. Aquele era o segundo maior lago de Heelum, menor apenas que o Lago Ia do Leste.
Saíram dos muros da cidade às dez da manhã do vigésimo-quarto dia de inasi-u-sana. Ia-u-jambu era a única cidade murada de Heelum. Isso se devia à decisão de proibir os magos: toda vez que alguém de fora entrava na cidade, recebia um lenço vermelho-berrante que deveria ser usado em todos os momentos. Caso algo de anormal acontecesse, qualquer pessoa poderia denunciar o forasteiro, e ele seria imediatamente expulso. Muitas vezes se discutiu o fato de o sistema fazer da desconfiança, prerrogativa, mas tempos de desespero exigem medidas drásticas. A cidade sempre foi consciente do preço das medidas, e sempre esteve disposta a pagá-lo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasiNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...