Capítulo 15 - Sonhos

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Lamar estava correndo desesperadamente por entre galhos, folhas e raízes. Conhecia aquela floresta. Era sem dúvida a Floresta dos Oniotos, em Kerlz-u-een. Cortava com suas passadas descoordenadas uma névoa que encobria o lugar, iluminada por uma luz verde sem origem definida. Tudo o que ele podia ouvir era o som da própria respiração ofegante. Corria de um inimigo que sabia estar atrás de si; cada vez mais próximo, cada vez mais rápido. Sabia que não poderia escapar dele, mas mesmo assim corria.

--- AGUENTA FIRME, LAMAR! AGUENTA! --- Berrava Kerinu. Estaria correndo ao seu lado ou atrasando o caçador?

Para onde estavam indo? Aonde aquele caminho os levaria?

Lamar foi atingido. Olhava para frente e, logo depois, viu-se caindo como se o tempo passasse mais devagar. Algo acertara seu joelho direito, e a dor era intensa; berrando e gemendo assim que caiu no chão, viu que recebera uma flechada. O sangue escorria rapidamente pela canela. Nervoso e sentindo uma excruciante dor a cada mínimo movimento, chamava por ajuda, mas Kerinu parecia ter ido embora --- ou estava morto.

Então alguém se aproximou. Lamar sabia quem era. Era o atirador arqueiro. O predador de quem fugia. Aproximava-se com cruel demora, pisando nas folhas espalhadas pela terra. Juntando o resto de suas forças, levantou o pescoço o quanto pôde para tentar olhar para seu nêmesis. Viu a si mesmo.

Sentou-se na cama num pulo, o coração batendo forte, o suor abundante dando motivo para arrancar a coberta levemente esburacada de cima da perna. O quarto do casal era escuro, e apenas duas coisas traziam um pouco de claridade para dentro do cômodo se as janelas estivessem fechadas: o minério azul da cozinha e o sol. O minério sempre brilhava por debaixo da porta enquanto dormiam. O sol, por outro lado, os despertava. Sua luminosidade estava ainda tímida na altura do peito deles; o horário perfeito para acordar era quando ela alcançava os olhos de Lamar. Mesmo antes disso acontecer, Myrthes não estava mais na cama.

Deitando de novo, Lamar começou a pensar com mais calma no sonho que tivera. As imagens já se desgastavam, fugidias, mas ele sentia ainda o medo apertando-lhe a mente. Lembrava de ter visto Kerinu, seu amigo de Kerlz-u-een, alorfo desde tempos imemoriais e irmão de Myrthes. Lembrava de ter visto a si mesmo.

Ouviu vozes. Uma era certamente de Myrthes, mas a masculina era muito diferente da do filho. Será que sonhara com Kerinu porque ele estava ali? Improvável... Tentou ouvir mais alguma coisa, mas o silêncio imperou novamente.

Levantou-se e, cuidadoso, abriu a porta do quarto. Viu Horacil em pé em frente aos armários da cozinha. Myrthes estava sentada no banco, à mesa, tomando chá com as pernas cruzadas e o rosto sério. Lamar olhou para o primo, que lhe devolveu o olhar por apenas um instante, voltando a olhar para baixo.

--- Bom dia, Horacil.

--- Bom dia, Lamar. --- Respondeu.

--- E... Tem alguma coisa errada? Aconteceu alguma coisa?

Myrthes levantou os olhos para Horacil, que coçou a nuca.

--- Lamar, eu... A gente está se mudando.

Lamar estancou, sem expressão.

--- Mas... Como, ou...

--- O barco sai às cinco. A gente vai pra Den-u-pra.

Era como receber outra flechada.

--- Então é lá que... O pai e a mãe estão?

--- Não sei, Lamar, a gente agarra a oportunidade que pode! --- Horacil falava misturando defesa à súplica, com os ombros arqueando à proporção das sobrancelhas.

--- Oportunidade de fugir de mim...

--- As notícias estão se espalhando... Logo todo mundo vai saber que você é um alorfo e está ensinando magia. A gente não pode arriscar... Nem você podia, tendo filho pequeno desse jeito...

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora