Capítulo 40 - Fogo

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Amanda caminhava nas sombras. Ignorou a charrete, mandando-a de volta para casa. Preferiu voltar a pé, esperando que andar fosse fazer algum bem. Descobriu, minutos depois, que seu maior desejo era poder arrancar com as unhas a pele do corpo e jogá-la fora, num amontoado de folhas caídas.

Sentia raiva de todos que passavam por ela, por motivo nenhum. Chorou o trajeto inteiro, em acessos espremidos, tendo um acesso de raiva a cada vez que se imaginava perguntando para Tadeu por que ele não estava lá. Imaginava que ele pediria desculpas de joelhos, mas não sabia o que visualizar quando ele começava a se explicar. Ele gaguejava e a olhava, suplicante, e este era o momento em que ela apagava aquilo da mente como se passasse a mão por uma névoa grossa.

Não soube dizer se o pai a vira quando ela entrou em casa, ou mesmo se ele estava ali. Trancou a porta do quarto e jogou-se de qualquer jeito na cama feita. Amassou quase que de propósito a colcha rosa em que pequenos pássaros azuis, de bicos longos e asas abertas, voavam no céu simulado. Fechou os olhos. Sentia até mesmo seus pulmões doerem a cada vez que tinha contrações de pranto.

Virou-se de barriga para cima. Pensou em um jeito de ficar definitivamente sozinha, num lugar onde pudesse fazer o que quisesse.

Fechou os olhos e deixou que o formigamento tomasse conta de si. Em breve sentia como se o corpo todo estivesse suspenso; uma dor nas têmporas surgiu enquanto ela deixava de sentir os membros. As lágrimas no rosto evaporaram, e ela podia senti-las se despedindo com o vento. Não havia mais distância entre ela, as mesmas lágrimas levadiças e o céu púrpura acima do próprio castelo. Tudo era uma borrada junção de coisas e seres, que se destacou como papel rasgado quando ela finalmente abriu os olhos.

Olhou para si mesma. Usava um vestido longo e rodado, com bastos ombros preenchidos, feito de um quente tecido roxo e bordado com marcantes fios vermelhos. Estava dentro do próprio castelo, em um corredor suspenso que ligava pelo segundo andar um grande saguão a outro. A parede tinha aberturas em toda sua extensão, janelas sem vidro, e a débil luz de um gigantesco sol quase completamente desaparecido formava fileiras de sombras compridas atrás dela.

A preculga debruçou-se sobre uma das janelas, sentindo-se enfim em casa. Respirou fundo, percebendo que não tinha vontade de fechar os olhos, de chorar ou de gritar. Só queria ficar ali, parada, por muito e muito tempo.

Ao olhar para frente, viu que o cenário se alterava de uma maneira estranha. A planície perto de si continuava a mesma, com jovens eucaliptos fazendo companhia à grama sem fim. O problema era o próprio horizonte, que parecia rolar para dentro em direção a ela, absoluto, gigantesco, faminto.

Amanda se afastou do parapeito, dando passos estabanados para trás. Um castelo surgia, avançando como uma espécie de navio; ele barrava a vista para o que sobrava do sol, crescendo a cada instante, até enfim parar exatamente à frente do castelo de Amanda. Uma pequena torre destacada lateralmente de uma outra, esta mais alta e mais grossa, ficou a apenas alguns pés de distância da entristecida maga.

--- AMANDA! --- Berrou Tadeu, do chão. --- AMANDA!

Ela voltou à janela, inclinando-se mais para a frente. Viu que ele estava com as mãos apoiadas sobre os joelhos. Ao sentir a presença dela, olhou para cima; balançava o corpo, desconfortável com o cansaço.

--- Amanda...

--- Por que você não foi, Tadeu? --- Perguntou Amanda, desabafando. --- Por quê?

--- Amanda, desça aqui, eu posso...

Amanda teve um pensamento terrível que a empurrou para fora da cama num pulo. Embora não tivesse caído totalmente no chão, demorou a recobrar o equilíbrio; escorregando um pouco, foi até a janela. Tadeu estava ali, praticamente idêntico ao seu iaumo em Neborum --- logo abaixo da janela do quarto, no meio da rua.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora