Capítulo 3 - O Yutsi Rubro

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A casa de Lamar, Myrthes e Ramon não era grande. Não apenas não precisavam de muito espaço; não podiam se dar ao luxo. Oval, era dividida em quatro cômodos: uma cozinha, um banheiro, e dois quartos; um dos pais, outro para o filho.

Tudo nela era bagunçado e parecia provisório. A cozinha tinha espaços abertos nos quais utensílios, e a pouca comida estocada, eram guardados, além de uma mesa encostada à parede interna da casa e um banco, grande somente para os três. O minério azul-escuro que iluminava a casa inteira ficava pendurado no teto, perto da janela do banheiro, que ficava para o lado de dentro justamente para receber a luz da mesma fonte. Havia um outro gerador de luz na casa: um pentágono verde cintilante que iluminava o quarto de Ramon. Ele dormia junto com a pedra, pois os minérios davam luz a partir do frio (as noites de Inasi-u-sana eram as mais iluminadas) e o calor humano do garoto deixava o quarto escuro como breu, bem ao gosto de seu sono pesado.

Técnicas para dormir melhor não eram realmente necessárias. Todos os dias Myrthes, Lamar e Ramon acordavam cedo e andavam até a casa de Jenia, uma senhora de idade, doce e afável, proprietária de toda aquela jir. De lá pegavam cestas e passavam horas colhendo os vários tipos de frutas cultivados naquelas propriedades; de uvas a laranjas. Ramon não trabalhava, e passava o dia brincando; muitas vezes sozinho, algumas vezes com filhos de outros trabalhadores, mas sempre por perto. Voltavam para casa cansados, com a noite já dando as cartas. Quando Ramon ficou sabendo que não iriam trabalhar um dia a cada cinco, ficou feliz, mesmo os adultos da casa sabendo o tipo de consequências que isso traria para eles.

Depois do desabafo e do ganho de confiança, Lamar divertiu-se com Ramon. Passaram o resto da noite pintando a parede do quarto do garoto. Tinham apenas três cores de tintas, cedidas por Horacil, um parente de Lamar que não havia cortado relações com ele. Vermelho, verde e rosa formavam uma esplêndida combinação de desenhos e frases, ainda que a variedade fosse reduzida: guardado em uma alta prateleira de madeira perto da parede interna da casa justamente para que os iluminassem enquanto brincavam, o minério verde tornava o trabalho possível, mas obscurecia a usual vivacidade da tinta de mesma cor.

Depois de algum tempo trabalhando, e com a parede quase toda coberta, Ramon sentou-se, parecendo exausto. Lamar parou de pintar também, acompanhando o filho.

--- Pai... Como é o branco?

--- O branco? --- Disse Lamar, pego de surpresa. --- Bem, eu... Nunca vi branco.

--- Mas e os arcos brancos? Não são brancos? --- ele estava esperançoso.

--- São. Mas eu nunca vi os arcos também, filho. Nunca estive na Cidade Arcaica.

--- Mas a mamãe disse que você foi lá.

--- Não, eu não fui não... Na verdade eu fiquei durante um tempo em uma cidade bem próxima, que se chama Kerlz-u-een.

--- Lá onde você conheceu a mamãe?

--- Isso. Essa mesmo.

--- E... Então você nunca viu nada branco? Nada nada?

--- Não, filho. A não ser os arcos, não tem mais nada branco no mundo.

Uma expressão de nítida frustração brotou no rosto de Ramon, que estava tendo dificuldade em entender aquilo. Esperava que o pai pudesse explicar. O branco existia; era uma cor como as outras, mas ao mesmo tempo nada podia ser branco. Será que conseguiria imaginar algo que jamais havia visto em lugar algum?

--- Filho... Sabe as nuvens, quando é de dia?

--- Uhum.

--- De que cor são?

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora