A casa de Lamar, Myrthes e Ramon não era grande. Não apenas não precisavam de muito espaço; não podiam se dar ao luxo. Oval, era dividida em quatro cômodos: uma cozinha, um banheiro, e dois quartos; um dos pais, outro para o filho.
Tudo nela era bagunçado e parecia provisório. A cozinha tinha espaços abertos nos quais utensílios, e a pouca comida estocada, eram guardados, além de uma mesa encostada à parede interna da casa e um banco, grande somente para os três. O minério azul-escuro que iluminava a casa inteira ficava pendurado no teto, perto da janela do banheiro, que ficava para o lado de dentro justamente para receber a luz da mesma fonte. Havia um outro gerador de luz na casa: um pentágono verde cintilante que iluminava o quarto de Ramon. Ele dormia junto com a pedra, pois os minérios davam luz a partir do frio (as noites de Inasi-u-sana eram as mais iluminadas) e o calor humano do garoto deixava o quarto escuro como breu, bem ao gosto de seu sono pesado.
Técnicas para dormir melhor não eram realmente necessárias. Todos os dias Myrthes, Lamar e Ramon acordavam cedo e andavam até a casa de Jenia, uma senhora de idade, doce e afável, proprietária de toda aquela jir. De lá pegavam cestas e passavam horas colhendo os vários tipos de frutas cultivados naquelas propriedades; de uvas a laranjas. Ramon não trabalhava, e passava o dia brincando; muitas vezes sozinho, algumas vezes com filhos de outros trabalhadores, mas sempre por perto. Voltavam para casa cansados, com a noite já dando as cartas. Quando Ramon ficou sabendo que não iriam trabalhar um dia a cada cinco, ficou feliz, mesmo os adultos da casa sabendo o tipo de consequências que isso traria para eles.
Depois do desabafo e do ganho de confiança, Lamar divertiu-se com Ramon. Passaram o resto da noite pintando a parede do quarto do garoto. Tinham apenas três cores de tintas, cedidas por Horacil, um parente de Lamar que não havia cortado relações com ele. Vermelho, verde e rosa formavam uma esplêndida combinação de desenhos e frases, ainda que a variedade fosse reduzida: guardado em uma alta prateleira de madeira perto da parede interna da casa justamente para que os iluminassem enquanto brincavam, o minério verde tornava o trabalho possível, mas obscurecia a usual vivacidade da tinta de mesma cor.
Depois de algum tempo trabalhando, e com a parede quase toda coberta, Ramon sentou-se, parecendo exausto. Lamar parou de pintar também, acompanhando o filho.
--- Pai... Como é o branco?
--- O branco? --- Disse Lamar, pego de surpresa. --- Bem, eu... Nunca vi branco.
--- Mas e os arcos brancos? Não são brancos? --- ele estava esperançoso.
--- São. Mas eu nunca vi os arcos também, filho. Nunca estive na Cidade Arcaica.
--- Mas a mamãe disse que você foi lá.
--- Não, eu não fui não... Na verdade eu fiquei durante um tempo em uma cidade bem próxima, que se chama Kerlz-u-een.
--- Lá onde você conheceu a mamãe?
--- Isso. Essa mesmo.
--- E... Então você nunca viu nada branco? Nada nada?
--- Não, filho. A não ser os arcos, não tem mais nada branco no mundo.
Uma expressão de nítida frustração brotou no rosto de Ramon, que estava tendo dificuldade em entender aquilo. Esperava que o pai pudesse explicar. O branco existia; era uma cor como as outras, mas ao mesmo tempo nada podia ser branco. Será que conseguiria imaginar algo que jamais havia visto em lugar algum?
--- Filho... Sabe as nuvens, quando é de dia?
--- Uhum.
--- De que cor são?
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...