Capítulo 16 - Realidade fabricada

28 0 0
                                    

--- O quê?

--- Foi isso mesmo que vocês ouviram. --- Disse Josep enquanto assinava alguns papeis com uma caneta-tinteiro. --- Vocês não trabalham mais para mim.

Ao chegarem na propriedade Fjor e Leila foram convidados a entrar na residência de Josep e conversar um pouco. Nenhum dos quatro havia estado dentro daquela casa em circunstâncias tão amigáveis e longe da formalidade: entraram no lugar sabendo o que foram fazer ali e quando iriam sair (em geral, o mais rápido possível). Dessa vez foram ainda além: não só entraram na casa como foram até o segundo andar. Lá, em um gabinete apertado com cheiro de couro de bufão exposto ao sol, o dono da fazenda sentava-se numa posição bem disposta. O velho senhor mostrava rigidez, mesmo que sua cabeça careca e os globos oculares saltados, quase que perfeitamente esféricos, lhe conferissem aparência doentia.

--- Por quê? --- Questionou Fjor.

--- Eu não preciso mais do serviço de vocês. --- Disse ele, sequer olhando para frente, falando com a simplicidade de quem escolhe qual será o cardápio do almoço. --- De nenhum de vocês, que fique claro. Os quatro estão dispensados.

--- O senhor tem muita terra, eu tenho certeza que nós podemos encontrar uma...

--- Pare. --- Ele finalmente olhou para Fjor, tirando os óculos e segurando-os na mão. Leila torceu de leve os lábios, expirando silenciosamente ao sentir que seria impossível convencê-lo a readmiti-los. --- Pare com isso. Não preciso e não quero. Quero que vocês vão embora. Tomem. --- E, dizendo essa última frase em um tom levemente paternal, tirou de dentro de uma gaveta no balcão uma sacola negra. Entregou-a nas mãos de Fjor, que olhou dentro dela e viu algo em torno de duzentas moedas de ouro. --- Vão ficar bem com isso ou não?

--- A-acho que sim, por um tempo, mas...

--- Ótimo. Agora vão. Não precisam mais voltar.

Depois de tanto tempo trabalhando para ele, Leila sentia-se traída. Fjor fechou a sacola, impaciente, fazendo um nó de qualquer jeito. Ele olhava para ela de esguelha; ela buscava uma compreensão que ele, indignado, não podia oferecer.

Não sabiam como sair sem se despedir, mas aparentemente era o que Josep estava pedindo ao ignorá-los de forma tão clamorosa. Logo ele, que era atencioso e respeitoso, sempre pagando em dia e com exatidão (ao contrário de outros patrões, como ouviram falar). Mas agora, literalmente da noite para o dia, ele agia daquele jeito. Pagava um valor inexato num montante que julgava justo para se ver livre deles sem remorsos.

--- Sem ressentimentos. --- Falou ele, antes que fechassem a porta. --- Negócios são negócios.

***

A viagem de volta foi silenciosa. Fjor só queria, enquanto podia só querer isto, ouvir o barulho do chão sendo pisoteado pelos yutsis. O caminho margeava colinas bem populadas, com casas simples em tons pasteis dividindo o cenário com cedros altos, com copas largas servindo de abrigo a pequenos pássaros cinzentos. O sol não deixava que tudo ficasse muito frio, e produzia sombras e contornos particularmente bonitos. Parecia sarcástico que não pudessem aproveitar melhor uma paisagem que fazia querer rolar na grama. Ou que nuvens negras se aproximassem pelo leste.

O que deveriam fazer? Procurar outro emprego imediatamente ou, agora que não havia risco de perder o emprego, viajar até Jinsel?

--- Ele não podia... --- Comentou Fjor, respirando fundo. Leila pensou, por um momento, que ele fosse chorar. Seria a primeira vez que o veria fazendo isso.

--- Fjor, talvez...

--- Eu sei o que você está pensando. --- Rasgou ele. --- Nós não vamos, Leila.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora