--- O quê?
--- Foi isso mesmo que vocês ouviram. --- Disse Josep enquanto assinava alguns papeis com uma caneta-tinteiro. --- Vocês não trabalham mais para mim.
Ao chegarem na propriedade Fjor e Leila foram convidados a entrar na residência de Josep e conversar um pouco. Nenhum dos quatro havia estado dentro daquela casa em circunstâncias tão amigáveis e longe da formalidade: entraram no lugar sabendo o que foram fazer ali e quando iriam sair (em geral, o mais rápido possível). Dessa vez foram ainda além: não só entraram na casa como foram até o segundo andar. Lá, em um gabinete apertado com cheiro de couro de bufão exposto ao sol, o dono da fazenda sentava-se numa posição bem disposta. O velho senhor mostrava rigidez, mesmo que sua cabeça careca e os globos oculares saltados, quase que perfeitamente esféricos, lhe conferissem aparência doentia.
--- Por quê? --- Questionou Fjor.
--- Eu não preciso mais do serviço de vocês. --- Disse ele, sequer olhando para frente, falando com a simplicidade de quem escolhe qual será o cardápio do almoço. --- De nenhum de vocês, que fique claro. Os quatro estão dispensados.
--- O senhor tem muita terra, eu tenho certeza que nós podemos encontrar uma...
--- Pare. --- Ele finalmente olhou para Fjor, tirando os óculos e segurando-os na mão. Leila torceu de leve os lábios, expirando silenciosamente ao sentir que seria impossível convencê-lo a readmiti-los. --- Pare com isso. Não preciso e não quero. Quero que vocês vão embora. Tomem. --- E, dizendo essa última frase em um tom levemente paternal, tirou de dentro de uma gaveta no balcão uma sacola negra. Entregou-a nas mãos de Fjor, que olhou dentro dela e viu algo em torno de duzentas moedas de ouro. --- Vão ficar bem com isso ou não?
--- A-acho que sim, por um tempo, mas...
--- Ótimo. Agora vão. Não precisam mais voltar.
Depois de tanto tempo trabalhando para ele, Leila sentia-se traída. Fjor fechou a sacola, impaciente, fazendo um nó de qualquer jeito. Ele olhava para ela de esguelha; ela buscava uma compreensão que ele, indignado, não podia oferecer.
Não sabiam como sair sem se despedir, mas aparentemente era o que Josep estava pedindo ao ignorá-los de forma tão clamorosa. Logo ele, que era atencioso e respeitoso, sempre pagando em dia e com exatidão (ao contrário de outros patrões, como ouviram falar). Mas agora, literalmente da noite para o dia, ele agia daquele jeito. Pagava um valor inexato num montante que julgava justo para se ver livre deles sem remorsos.
--- Sem ressentimentos. --- Falou ele, antes que fechassem a porta. --- Negócios são negócios.
***
A viagem de volta foi silenciosa. Fjor só queria, enquanto podia só querer isto, ouvir o barulho do chão sendo pisoteado pelos yutsis. O caminho margeava colinas bem populadas, com casas simples em tons pasteis dividindo o cenário com cedros altos, com copas largas servindo de abrigo a pequenos pássaros cinzentos. O sol não deixava que tudo ficasse muito frio, e produzia sombras e contornos particularmente bonitos. Parecia sarcástico que não pudessem aproveitar melhor uma paisagem que fazia querer rolar na grama. Ou que nuvens negras se aproximassem pelo leste.
O que deveriam fazer? Procurar outro emprego imediatamente ou, agora que não havia risco de perder o emprego, viajar até Jinsel?
--- Ele não podia... --- Comentou Fjor, respirando fundo. Leila pensou, por um momento, que ele fosse chorar. Seria a primeira vez que o veria fazendo isso.
--- Fjor, talvez...
--- Eu sei o que você está pensando. --- Rasgou ele. --- Nós não vamos, Leila.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasíaNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...