--- Será que podemos falar do que a gente fez nesses dias? --- Perguntou Amanda, esperançosa.
--- Não sei.
Aquilo continuava sendo estranho para eles. Não podiam falar honestamente, sem medo de dizer alguma coisa perigosa. Seguravam as mãos um do outro, pedindo por uma compaixão que não podiam receber.
--- Você foi a algum lugar? --- Perguntou Tadeu.
--- É, mas... --- Respondeu ela, hesitante.
--- Eu fui numa festa bomin.
--- Tadeu! --- Censurou Amanda, boquiaberta.
--- Que foi?
--- Por que você me disse isso?
--- É uma festa, Amanda, muitas pessoas sabiam!
--- Muitos bomins sabiam!
Eles compreendiam cada vez mais a loucura e a confusão em que se metiam cada vez mais fundo, como um passo em falso na lama. Havia muitas coisas que gostariam de dizer um ao outro, mas tudo ficou preso --- como mais um passo na lama.
Viam um ao outro na torre mais alta de seus castelos. Era a primeira vez que faziam aquilo; o céu púrpura por detrás deles tinha nuvens azuis que apareciam e desapareciam em um ritmo alucinante. Voltaram logo a sentir a mão um do outro, no frio da colina de Al-u-ber, antes que ficassem tontos demais. Amanda levantou-se e, sem se despedir, foi embora. Tadeu percebeu o que acontecia quando era tarde demais; levantou-se também, chamando pela preculga, mas ela não mais ouvia.
Amanda descia a trilha da colina esfregando os braços e tentando evitar o choro. Não conseguiu. Dava passadas mais seguras que o habitual, já que vez ou outra a água nos olhos deixava a visão borrada.
Sempre se perguntara por que é que o pai implicava tanto com Tadeu. Chegara a imaginar uma porção de coisas. Das mais convencionais, como uma simples rixa política, às mais loucas, como o improvável fato de que Tadeu fosse um filinorfo disfarçado, um irmão gêmeo perdido, ou fosse ainda um mistério --- algo que, sem saber, teria ativado desconfianças paternais protecionistas.
Nada disso. Tudo fazia um esmagador sentido. Ao invés de algo que fosse simplesmente estranho demais para entender ou simples o suficiente para resolver, os dois tinham nas mãos uma lógica depressivamente óbvia, mas muito maior que eles: algo impossível de fazer sumir, seja com paga, seja com guerra. Eles eram magos de diferentes tradições. Não podiam se relacionar --- ou, melhor, não podiam tornar público tudo que já fizeram, tudo que já eram e tudo que sentiam.
O caminho estava quase acabando. Partes da charrete que a levaria de volta para casa já podiam ser vistas através de muitas folhas, ramos e troncos. Respirou mais aliviada, sem saber por quê. Já havia pensado no que aquilo tudo significava antes, mas nunca daquele jeito. Tão lúcido. Tão real.
Não deveria ter saído de lá sem se despedir. Sentia-se realmente estúpida.
Com a testa encostada às rugas de um pinheiro, pensou que ainda havia um jeito. Uma chance pequena, que iria requerer muito esforço. Continuar se encontrando às escondidas e, quando estivessem mais velhos e consolidados, fingiriam enfim um interesse romântico, que seria bem regulado por toda a comunidade mágica. Valeria a pena?
Amanda fechou os olhos, expirou a pergunta e deixou-se encostar por completo na árvore, sem acreditar que estava de fato se perguntando aquilo. ''É claro que vale''.
Mas seria preciso investigar.
***
--- Como foi seu dia? --- Perguntou Galvino, alimentando o fogo da lareira.
![](https://img.wattpad.com/cover/7093442-288-k565317.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...