Capítulo 11 - Alorfos e filinorfos

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Al-u-een foi a terceira cidade a ser fundada depois que os humanos fugiram do Yutsi Rubro, deixando a Cidade Arcaica para trás. No entanto, diz o ditado popular local que ela foi a primeira, já que foi a única cujo povo, à época, quis ficar exatamente onde estava. Kerlz-u-een e Rirn-u-jir não passavam de postos militares; fortalezas provisórias que todos desejavam abandonar ao primeiro sinal de que pudessem voltar para o lugar de onde vieram. Um ditado jocoso de Roun-u-joss dizia que ela foi a primeira cidade a descobrir a justiça --- o que, curiosamente, alguns em Al-u-een ouviriam sem notar o sarcasmo.

Ambos os ditados informavam muito sobre a cidade. Ao longo da história foi um dos locais mais influentes de Heelum: sua arquitetura, cheia de colunas, igualdades e proporções, era muito admirada e copiada. Suas esculturas, que complementavam de forma brilhante o urbanismo perfeccionista, geraram toda uma tradição por seus próprios métodos. Sua política serviu como modelo natural para Rouneen, Ia-u-jambu e Novo-u-joss em seus primeiros tempos.

Na manhã seguinte àquela noite gelada, Al-u-een seria o cenário de um assassinato.

Ao sul do Rio Ia dois homens caminhavam por uma rua em frente à praia, vestindo grossas capas negras por sobre roupas presumivelmente ainda mais quentes. As ondas iam e vinham, no eterno quid pro quo com a fina areia. A distâncias regulares, um poste de corvônia brotava da calçada da rua de paralelepípedos. Altos e resistentes, tais postes terminavam em uma esfera oblonga da qual saíam oito finas hastes curvilíneas, simetricamente dispostas como as de um polvo. As hastes juntavam-se em uma espécie de pedestal, acima da esfera, e lá era colocado o minério que iluminaria aquele pequeno trecho da cidade. Com as mãos nos bolsos, os dois andavam despreocupadamente, mas nisto fingiam: pensavam seriamente no que aquela noite podia trazer.

--- Que casa é? --- Perguntou Kan.

--- Esta.

Enfim pararam. O homem que identificou a casa, Lenzo, tinha um rosto redondo e relativamente pequeno. Seus olhos, amendoados e castanhos, vasculhavam a rua à procura de algum estranho a observá-los.

--- Me esconde. --- Pediu ele.

Kan, com longos rosto e corpo e a barba por fazer, fez que sim com a cabeça. Mergulhou em um outro tipo de escuridão, e quando emergiu estava pisando não em pedra, mas em grama.

Olhou para o lado e viu um imponente castelo dourado fosco; reconheceu estar ao lado da torre oeste. Voltou-se para a frente e, com um rápido escrutínio, percorreu a região inteira. Sentiu o vento no rosto ao percorrer toda a área, todas as direções, e voltar até onde estava. As estrelas ainda giravam e se recombinavam no céu quando ele assegurou-se de que aquele era mesmo o único outro castelo na região --- quando assegurou-se de que estavam, enfim, sozinhos.

Levantou as mãos em direção à construção, um pouco menor que a própria e, como numa súplica por esmola, manteve a palma da mão para cima. Logo a escuridão do céu começava a se misturar com as sombras do castelo, e as luzes, vindas dos minérios nas salas com janelas, começavam a brilhar mais forte, para depois serem engolidas para dentro da escuridão que caía por sobre o prédio como se o céu derretesse. Enquanto os últimos raios de luz entortavam-se num redemoinho, o próprio castelo chegava mais perto dele; a destruição fazia aproximar, sem força e sem movimento, sem tirar do lugar.

O próprio céu ganhou as tonalidades das paredes externas do castelo e, logo depois, o mago se viu do lado de dentro, e todos os objetos do salão principal --- das velas às cadeiras --- estavam distorcidos e estendidos; ora grandes demais, ora pequenos demais, formando uma redoma de paredes e luz ao redor do centro que havia se tornado o mago. O teto esférico começou a convergir para ele e, antes que tudo entrasse em colapso, o mago fechou os olhos.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora