Capítulo 47 - Intervenção

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--- E para isso quer o cargo de volta.

Kent estava em pé em seu escritório, que não era muito diferente do de Hideo. Os móveis e o estilo eram padronizados em todas as salas do gênero no prédio, de modo que ambos viviam em um ambiente de austera ostentação. O espaço do político idoso era mais limpo, entretanto; seus óculos o faziam enxergar de uma maneira excepcionalmente boa, de modo que suas lentes, mantidas sempre em aguda transparência, não o deixariam em paz se ele tivesse uma sala exclusiva que fosse suja e bagunçada.

Enquanto o parlamentar limpava energicamente os óculos, pensando a proposta de Dalki, o ex-chefe de polícia fitava-o tranquilamente próximo à parede. Preferia a mesma posição do político a se sentar. Sabia que não conseguiria manter boa postura; que se sentiria estranhamente diminuído, como alguém estranhamente indefeso, fazendo negócios com um homem cheio de astúcia e experiência --- isso sem sequer precisar supor Kent como um mago.

--- Se você quer pegar os assassinos de Hourin, eu quero meu cargo de volta.

--- Nada me garante que você sabe quem eles são. --- Kent colocou os óculos de volta, ajeitando a manga das vestes negras. --- Quero o que sabe primeiro.

--- Com todo o respeito, senhor Kent. --- Disse Dalki, sorrindo com cuidadoso sarcasmo. --- Não vou negociar desse jeito com um político.

--- Al-u-een não é uma cidade que se arrisca, Dalki. Por que acha que vou me arriscar com você?

O policial, que desta vez não se vestia a caráter, olhou para Kent sem entender como ele não via como era absurdo o que dissera.

--- Isso demonstra sua ignorância quanto à história dessa cidade, senhor parlamentar.

--- Não, meu caro. --- Riu Kent, exibindo uma torção de músculos faciais que se traduzia em sabedoria tácita. --- Demonstra a sua ignorância de pensar que o passado ainda diz algo sobre quem nós somos.

--- Então quem nós somos, senhor Kent?

--- Assassinos cruéis.

Kent deu a volta na mesa, indo ocupar a própria cadeira.

--- Nem todos, senhor Kent.

--- Então você quer ajudar a prender os assassinos cruéis! --- Kent dizia, irônico, com as mãos fazendo abrangentes gestos sobre a mesa. --- Mas apenas se isso lhe beneficiar.

--- Não quero benefícios, senhor Kent. Quero as coisas como eram antes, sem magos para me dar ordens no trabalho ao qual há rosanos me dedico.

--- Magos? --- Outra desconfortável torção de rosto em que o velho homem deixava clara, com a sanção das rugas, sua opinião. --- Ora, Dalki...

--- Então não acredita que eles são magos. Ou pelo menos ele.

--- Sinceramente...

--- Como explica que um policial que nunca foi destaque apareça com um parlamentar a tiracolo e seja declarado chefe de um dia para o outro?

Kent abriu a boca, mas logo a fechou, contentando-se em usá-la para respirar.

--- E a sua teoria --- recomeçou ele --- é que há um mago na polícia mexendo com um parlamentar.

--- O senhor tem uma melhor?

Polícia e Parlamento se olharam, entrando em um acordo de olhares com muitas cláusulas não ditas, todas múltiplas e contraditórias, abarrotadas até o ponto final de esperanças e contrapesos.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora