Capítulo 6 - Buscando

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Leila e Beneditt espremeram um lugar no canto da charrete, ao lado de um desatento homem loiro e defronte aos dois irmãos. Assim que todas as pessoas e todos os instrumentos estavam a bordo, a charrete seguiu. Ninguém conversava. Leila tocava acordes que, embora soltos, formavam um ritmo estimulante, e tudo o que eles queriam era aproveitar o esplêndido cenário das colinas de Novo-u-joss, especialmente antes que precisassem entrar em uma maratona de preparação rumo ao palco.

No princípio seguravam-se para não cair; os yutsis corriam a toda velocidade nas descidas e subidas dos campos sedutores, a maioria castrados por terraços com batatas, todos com a presença de no mínimo alguns arbustos densos. Conseguiam, ainda assim, admirar algo das montanhas ao norte e ver, quando passavam pelos pontos mais elevados do trajeto, um pouco do rio Pudro. O que mais gostavam era, sem dúvida, as estrelas, que podiam ver de qualquer lugar: azuis e verdes (por vezes tão escuras que eram quase invisíveis ante o manto púrpura do céu), algumas vermelhas, alaranjadas, amarelas ou rosas. As estrelas de Novo-u-joss lhes desejavam boa sorte; podiam sentir o vento trazendo aquela mensagem do céu.

Começaram a chegar às jirs mais próximas ao centro. Pessoas com guitarras, baixos e por vezes baterias completamente montadas se reuniam no espaço pavimentado entre as casas, a maioria delas com um andar apenas e paredes vivamente coloridas --- tons que só se deixavam adivinhar pelos minérios de luz que, solitários quanto a seus pares, sustentavam as singelas noitadas musicais por horas a fio. Os sons, que de qualquer forma seriam fugidios demais, não chegavam à charrete. Leila, com seu repetido padrão, não deixava.

A maioria das pessoas naquele pedaço de mundo sabia tocar alguma coisa. Ainda que não abundasse habilidade, não faltaria admiração a quem se dispusesse a fazer mais do que entreter amigos. A música movia a cidade --- ou, pelo contrário, a mantinha no lugar. A sensação geral era de que ali ninguém conseguiria se comunicar bem sem música. Mais do que isso, sem a própria música.

Leila aumentava o ritmo das palhetadas, e arriscava um solo ou outro apenas para gracejar com Leo. Os dois se olhavam, cúmplices na aflição. Beneditt batia os pés. Fjor observava tudo ao seu redor, mesmo já tendo corrido aquele caminho várias e várias vezes. Os sorrisos de Leo e Leila cresceram, assim como os solos de Leila, que começavam a ficar um pouco mais rápidos. Mais uma jir se passou, e a charrete descia com violência o último morro antes do centro. As luzes da cidade passaram a encher cada vez mais os olhos dos músicos.

A jovem mulher de cabelos finos que comandava os yutsis diminuiu a velocidade ao efetivamente entrar na cidade. A rua em que trafegavam agora era larga: dos dois lados eles viam casas que serviam como residências --- certamente muito mais bonitas e funcionais que as deles. Misturavam-se a elas casas de shows, padarias, pequenas lojas e grandes espaços abertos em que crianças brincavam enquanto uma roda de uns poucos adultos cantava um leque de modas populares. Quem andava nas ruas ao lado da charrete acompanhava Leila e sua guitarra com sorrisinhos satisfeitos, ainda que ela tivesse voltado a tocar uma simples sequência de acordes. Leo pensava que, diante de algo tão fácil de fazer, a maioria das pessoas estava apenas achando aquela moça bonita. Perguntou-se se ela chegara à mesma conclusão.

A cidade oferecia um espetáculo à parte; parecia uma única avenida sem fim com todo o tipo de letreiros coloridos, sons exóticos e cheiros que viravam pescoços. Tudo que eles viam era trazido à luz por minérios azuis e amarelos amarrados, nesta parte da cidade numerosos, pendurados em finos postes de ferro ao centro da rua. Todos os tipos de timbres de guitarra que os quatro integrantes da banda pudessem reconhecer estavam presentes, e havia também outras coisas a se fazer naqueles infinitos espaços fechados. Peças de teatro, da comédia ao horror, e restaurantes, com suas glamorosas ofertas gastronômicas pelas quais eles não poderiam pagar.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora