Capítulo 36 - Vida nova

18 0 0
                                    

O céu, perfeitamente azulado e alinhado, parecia ter planejado os mínimos detalhes. Conspirador, é isso que ele foi. O céu encontrou uma maneira magnífica de favorecê-los --- e era importantíssimo que nada desse errado.

Sentavam, os dois, debaixo de um baobá frondoso, tão vigoroso quanto sábio. A luz ficava à vontade sob as folhas, e eles também. De joelhos na grama, empertigaram-se. A Leila de vinte rosanos não tinha nada para proteger suas articulações, tão fraquinhas, já que usava um vestido quadriculado amarelo e laranja. Ele usava uma calça azul-escura. A melhor que tinha, ainda que esse não fosse fato notório e público.

Ela olhou bem no fundo dos olhos verdes de Beneditt, apenas um pouquinho mais velho que ela. Aquele seria o primeiro beijo dos dois, e eles sorriam e tremiam juntos, divertindo-se, de mãos dadas, ao curvarem-se para frente e encostar os lábios em um toque carinhoso, sincronizado com a inspiração profunda de cada um.

A versão infantil de Leila lembrava-se, sorrindo como boba, daquele dia. Espraiou-se na grama enquanto o pai, de quem herdara os lábios faceiros, sentava em um banquinho ao lado dela, tocando um ritmo leve na guitarra.

Ele parou e olhou para ela, que escondia os olhos da luz do gigante sol com uma das mãos.

--- O que foi?

--- Nada, pai...

Ele olhou para os campos e árvores ao redor, como se procurasse por algo.

--- Não, o rio não está por aqui. Não consigo nadar sem água.

--- Ah, pai! --- disse ela, dando uma risada.

Ele mexeu um pouco na afinação da guitarra, e ela disparou, incontrolável:

--- Pai, sexo é ruim?

Ele olhou para ela, curioso.

--- Não, filha. De onde você tirou isso?

--- Ah, é que... Todo mundo fala bem pouco nisso, e quando falam parece que é uma coisa... Ruim. --- Argumentou ela.

O pai voltou-se para a guitarra, pensativo.

--- Não, filha, é que... É que nós de Novo-u-joss temos pudores, é só isso.

--- Pudores? --- Perguntou ela, sem entender.

--- É... Nós achamos que existem horas apropriadas pra falar sobre sexo, entende? Horas, lugares... Pessoas. --- Ela balançava a cabeça afirmativamente. --- Você, por exemplo. Você é a minha filha, então tudo bem falar com você. Você sabe que pode falar comigo sobre tudo, não sabe?

--- Claro, pai! --- Ela sorriu. Assim que o assunto ficou suspenso sua mente se voltou para o beijo de Beneditt mais uma vez.

--- Isso é ter pudor, filha. Nem em todos os lugares é assim. Então a gente não fala... Nem faz... --- Ressaltou ele. --- Sexo em qualquer circunstância...

Leila continuava balançando a cabeça, começando a sentir na vergonha das bochechas o sentido do pudor. Tinha toda a liberdade para usar a palavra, mas seu conhecimento era tão vago e frio do que sexo de fatoera que o uso parecia imerecido; um cálice de sabedoria e poder que tinha que ser ganho na ponta de uma espada.

--- Está vendo aquela árvore, filha?

Ele apontou para uma planta baixa e seca que, com quase nenhuma folha, retorcia-se em direção ao chão. Leila não pôde deixar de compará-la a um corvo. Ela parecia agonizar lentamente rumo à morte do mundo vegetal, que era sempre sutil e graciosa.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora