Capítulo 38 - Hostilidade urbana

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A cidade do comércio adormecia, abraçada por sombras compridas. Muitos sonhavam que viviam na cidade do ouro, mas aquela era a cidade do esforço e do reforço, não do oásis da recompensa. Voltavam a dormir logo depois de despertar. Pela manhã já se esqueciam de tudo.

Uma figura passeava pelas estreitas ruas, observando, impaciente, os estandes fechados. Vislumbrava vez por outra os produtos soltos, esquecidos ou negligenciados do lado de fora das travas e trancas, mas nada lhe interessava. Deteve-se ao virar uma esquina, observando do canto o homem que, vestindo um grosso sobretudo azul-marinho, andava em círculos, sem pressa. Era como se esperasse por alguém com a consciência serena de que ninguém viria. Não parecia ter metas a cumprir ou lugar para ir. As mãos para trás, que encostavam nas costas dedos doídos de frio, indicavam calma. O gorro azul com o reconhecível símbolo de duas tochas acesas cruzadas em "X" sinalizava sua profissão.

O homem, por sua vez, viu um sujeito moreno de peito nu e rosto jovial --- os primeiros detalhes a emergirem nas luzes rosadas e anis dos postes --- sair das sombras e rapidamente armar um arco, apontando-o com firmeza contra ele.

--- O que... --- Começou o policial, confuso, pondo as mãos para o alto.

--- Fique quieto. --- Disse friamente o agressor. --- Você conhece o Desmodes?

--- Quem?

--- Desmodes!

--- Não conheço ninguém com esse nome, rapaz. Por que não abaixa essa, es-esse arco --- A arma era de um vermelho tão orgânico que por um momento duvidou que fosse mesmo de verdade. --- e vamos conversar?

Nariomono abaixou o arco e num rápido movimento o pôs nas costas.

Surpreso com a audácia daquele desconhecido, o homem da lei respirou fundo e meneou a cabeça, sentindo um leve formigamento nas mãos. Um forasteiro não podia simplesmente fazer o que quisesse com o comandante da polícia de Enr-u-jir.

Narion estancou depois de dar alguns passos, tentando ir embora. Seus pés pareciam ter se grudado ao chão, mas por mais que fizesse força não conseguia tirar o calcanhar dos blocos e da terra. Achou estranho, já que não sentia nada minimamente grudento na sola do pé descalço.

Olhou para trás, e o policial exibia um sorriso cheio de satisfação, de braços cruzados, se aproximando. Narion percebeu que os dois eram os únicos homens na rua.

--- Você não pode fazer isso, sabe? Apontar um arco pra mim. --- Os músculos do pescoço de Narion se contraíram. Sua cabeça virou para frente com um duro movimento espásmico. --- Quem é você?

Narion não respondeu. O policial continuou dando a volta no guerreiro preso ao solo.

--- Hein, rapaz? Quem é você?

Narion movia os olhos, sentindo como se fossem as únicas partes do corpo das quais ainda era dono, percebendo em detalhes a ignomínia feliz daquele rosto fino de dentes tortos e olhos um tanto fora do lugar. Tentava se libertar da prisão sem ferro de todas as maneiras que concebia. Forçou as pernas, os braços, o tórax --- mas ele estava completamente enrijecido.

--- Não vai responder? --- O oficial estava de novo atrás dele, bem próximo, falando baixinho. Narion podia sentir o quente bafo do homem passando pelos ombros, acompanhando a cinzenta fumaça que ganhava os céus nos dias frios a cada expiração. --- Vai ou não vai? Eu posso fazer você falar, mas eu queria ouvir você. Ande, rapaz, diga.

--- Eu procuro por Desmodes.

O policial fez que sim com a cabeça.

--- Bem... Acho que você não vai fazer falta, então.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde histórias criam vida. Descubra agora