O ex-soldado de sessenta e oito rosanos que, embora forte e alto, não gostava de vaidades, estava sentado à mesa com um copo de água. Enquanto seu rosto de traços duros voltava-se para a porta entre duas janelas na frente de sua loja, um menino, que não tinha sequer metade de sua altura, varria o chão. Estava concentrado, e não fosse pelo jeito preciso de limpar o assoalho da Maxim Minérios, poder-se-ia dizer que estava até mesmo triste.
O lugar era estreito, mas comprido. Espremido entre uma grande loja de roupas e um restaurante, nunca houve razão para levar o empreendimento para outro lugar. A loja ficava bem no centro comercial da cidade, e sua fama atingia os quatro cantos de Heelum. Como não havia necessidade de atender dezenas de pessoas ao mesmo tempo, seu modelo de negócios ia bem. Da porta até o balcão ficavam duas mesas, com duas cadeiras cada uma, encostadas à parede de tábuas da esquerda. Por detrás do balcão, dispostas em várias prateleiras básicas de madeira, ficavam vários caixotes. Cada um continha um tipo de minério. Junto a eles, na prateleira mais alta, em um lugar em que caberia mais uma caixa, havia um grupo de minérios de cinco lados amarelos, que mantinham o lugar sempre bem iluminado. Atrás de uma porta com três fechaduras, entre todas estas prateleiras, ficava o estoque e uma cama improvisada para o garoto, Prior, que trabalhava para Maxim. Recebia seu pagamento na comida e no lugar para dormir. Devia se dar por satisfeito.
Com um gesto brusco, Prior parou de varrer e olhou para Maxim. O rosto, inexpressivo; a postura, reta. Maxim olhou para ele com seus olhos verdes acinzentados, que pareciam desprezar o garoto, e este devolveu o olhar de um jeito adormecido, mesmo sem sono.
Maxim virou seu rosto em direção à porta, desperto; as gotas de chuva caíam no telhado e na fachada da loja, fazendo muito barulho e impedindo-o de ir para casa logo, mas ainda assim o homem pensou ter ouvido, em meio a tanto ruído, batidas na porta. Prestou mais atenção.
Ouviu-as de novo; desta vez, mais fortes. Prior largou a vassoura, que bateu com estrondo no chão. Foi até a janela e, afastando um grosso pano, tentou ver quem estava em frente à porta.
--- Vejo só roupa preta. --- Comentou ele em um tom monótono.
Maxim levantou-se para verificar a situação ele mesmo, e Prior jogou-se com força contra a parede do outro lado, dando passagem. Havia, de fato, um vulto negro do lado de fora. A intensa iluminação noturna da Cidade Arcaica, toda em laranja, não ajudava a descobrir a identidade de quem quer que fosse. O visitante bateu outra vez.
--- Quem é? --- Perguntou Maxim.
--- Cinco velhos amigos. --- Respondeu uma voz masculina.
Fechando os olhos devagar e soltando o ar pela boca, Maxim abriu a porta. O homem ainda desconhecido entrou, visivelmente encharcado, mas sem sinais de pressa. Ele vestia uma extensa capa preta, com várias camadas de tecido, e um gigantesco capuz que encobria todo o rosto. Virando-se para o anfitrião, tirou o capuz e revelou-se um jovem homem de curto e reto cabelo negro. Seu rosto, impecavelmente limpo e barbeado, era pálido e, num toque que concedia ao seu semblante algo de pitoresco, tinha lábios de um vermelho vivo e olhos de peixe morto tão escuros quanto o cabelo. Olhos que, altivos, não prestavam atenção em outra coisa que não os olhos seguros de Maxim.
--- Qual é o seu nome?
--- Desmodes.
--- Demoun?
--- Dê-môld --- Explicou ele a pronúncia, falando devagar.
--- De onde você vem, Desmodes? Quer sentar?
--- Obrigado.
Por fim quebrando o contato visual que havia mantido desde o início, o homem de preto puxou uma cadeira, sentando-se justamente de frente para o lugar que Maxim ocupava antes --- no qual este se sentou novamente.
--- Posso? --- Perguntou Desmodes, sem tirar os olhos de Maxim.
--- Fique à vontade.
Prior, que continuava encolhido contra a parede, começou a andar. Passou pelos adultos, entrou na área atrás do balcão, pegou as chaves da porta do estoque e começou a destrancar a porta.
--- Venho de Jinsel.
--- Passou aqui antes de voltar ao Conselho?
--- Sim. Preciso de duas coisas.
Maxim tentava descobrir quais eram as intenções daquele mago. Ele dominou Prior sem sequer olhar para o garoto. Não que isso fosse difícil, mas ali estava um mago jovem demais para estar no conselho. E, no entanto, ele conhecia a senha.
--- Qual é a sua tradição?
--- Espólico.
--- Ora... Feliz coincidência.
Prior voltou à mesa com um copo de água, colocando-o em frente a Desmodes.
--- Preciso de um hexagonal prata.
--- Esse deve ser o pedido fácil. Se me dá licença...
Desmodes concordou com um leve aceno, acompanhado de um breve pestanejar. Prior voltou a sair de perto dos dois, e voltou alguns segundos mais tarde com uma pedra prateada fosca. Colocou-a em cima da mesa e deu dois passos para trás; juntou as mãos em frente ao corpo e abaixou a cabeça.
--- Do que mais precisa? Aqui tenho quase tudo.
--- Uma heptagonal.
Maxim não tinha mais prestado atenção à chuva, mas o silêncio que invadiu aquele diminuto espaço em que eles estavam era algo diferente: não apenas a falta do que dizer, mas a necessidade de não dizer coisa alguma --- e, ainda mais imperiosamente, a de ter cuidado com o que se decide dizer. Nesse ínterim a chuva se fez mais presente, açoitando a Cidade Arcaica como raramente fazia.
--- De que tipo... Exatamente estamos falando?
--- Marrom e verde.
Maxim colocou as mãos sobre a mesa, as palmas viradas para baixo. Balançando a cabeça negativamente, olhou para o próprio copo de água.
--- Infelizmente terei que dizer não. Não tenho o minério aqui e, aliás... Há muito tempo que não consigo achar quem o venda pra mim.
--- Eu não disse que era um pedido.
Maxim socou a mesa com as duas mãos, apertando-as em um punho fechado.
--- Você não sabe com quem está lidando... Eu vendo minérios pra vocês há mais de uma década e nunca um fedelho arrogante como você me ameaçou dentro da minha PRÓPRIA LOJA! Se você tentar me atacar, eu juro que vou matá-lo. E o conselho ficará do meu lado.
Prior os observava, sem saber em qual dos dois deveria prestar atenção. Desmodes aproximou seu corpo da mesa.
--- Você não vai conseguir fazer nada sem os braços.
Maxim entendeu antes mesmo de tentar voltar a Neborum. Saíra de lá por um segundo, e ao voltar encontrou apenas escuridão.
Desmodes enfim sorria. Maxim não conseguia mover os braços. Olhou para eles, como se procurasse um modo de dar-lhes forças, mas isso não adiantava; tremiam como se o mundo tremesse, e seu antebraço doía como se tivesse sido profundamente perfurado. Ainda assim, sufocava em inanição, ofegando de medo; não encontrava forças para berrar por ajuda.
--- Eles... --- sussurrou ele --- Saberão...
--- Shh... --- Desmodes pôs o dedo em riste em frente à boca.
Maxim não percebera que Prior havia saído do lado deles. Ele voltava com uma outra pedra; desta vez, uma forma geométrica com sete lados e uma mistura caótica e opaca de marrom e verde distribuída por toda a superfície. Na outra mão, uma faca.
--- O que... O que que... --- E então foi impedido de falar. Desta vez queria, precisava saber o que iria acontecer, mas apenas ao suor era permitido se expressar. Desmodes colocou as duas pedras em um compartimento interno das vestes e, posicionando o copo na mesa de forma a fazê-lo ficar mais perto de onde Prior estava, levantou-se e foi embora. Adentrou a chuva sem medo, e Maxim olhou uma última vez para Prior, prestes a cometer uma vingança que não planejara.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasiaNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...