Amanheceu em Al-u-een pela trigésima-quarta vez naquela estação. Kan sentava em um banco de uma praça na zona norte do centro, vestindo uma longa capa verde-escura. Estava velha, pequena demais para ele e, escolhidas regiões específicas, cheirava a peixe. Vestir a indumentária dos breves tempos de preculgo trazia à baila uma série de memórias; todas coisas sempre importantes de se ter em mente.
Gagé e Lenzo se aproximaram momentos depois, surgindo dos arredores de crianças sorridentes e casais deitados na grama. Kan deixou de observar as minúcias das nuvens amareladas por detrás de um leitor ávido no banco à frente para silenciosamente se juntar ao grupo. Lenzo olhava para baixo, mas ocasionalmente pendia-se para os lados e para trás. Talvez quisera continuar lá atrás, com as crianças, como se aquele plano não existisse. O passo forte liderado pelo semblante de Gagé, que traduzia seu prévio estilo de vida de lutador, não o deixava esquecer, e levava os três cidade afora em direção à casa de Hourin.
Passaram por grandes e velhas árvores que o período de frio não conseguira atingir; permaneciam cheias de vitalidade nas folhas. Saíram da praça, cuja trilha interna era apenas terra batida, e entraram em uma ruela de pedra em que várias casas de dois ou três andares se erguiam juntas, como blocos retos que se encaixavam perfeitamente uns aos outros, ainda que a altura por vezes diferisse. Entraram na próxima rua à direita, onde mais casas funcionavam da mesma maneira. Ao lado, o que destoava eram as vassouras, de extremidades ainda quentes de mãos enérgicas, largadas pelo lado de fora depois de ter deixado os empregados ocupados e as famílias mais felizes. Cada casa era coberta com uma camada externa de madeira, que os donos pintavam e ornavam a gosto, o mesmo acontecendo pelo lado de dentro. A estrutura, no entanto, era de corvônia, de modo que as casas eram resistentes. A madeira era duplamente posta porque a aparência da corvônia não era valorizada na estética das residências, que seriam tidas por feias e de aspecto sujo --- em contraste com monumentos e prédios públicos, aos quais o mesmo material conferia um ar de poder e glória atemporais.
Gagé parou em uma intersecção onde à rua em que estavam se juntava um beco escuro. Oposta ao beco, uma comprida casa rosada exibia várias janelas fechadas, apenas algumas com as rubras cortinas para o lado de fora. Em uma das casas da esquina que formava a rua sem saída, o vazio parecia imperar: completamente fechada, com a pintura bordô desgastada. A outra tinha dois andares de uma impecável pintura verde com ricos detalhes dourados em textura. No vértice, na divisão entre o primeiro e o segundo andar, os detalhes dourados ganhavam cada vez mais relevo até acabar em uma gloriosa flecha apontada para cima, destacada da parede. A casa que hoje era de Hourin --- e abrigava somente ele e sua filha --- fora conhecida, no passado, por ter entre os seus membros excelentes arqueiros.
Se Hourin fosse arqueiro, pouco a magia poderia fazer para ajudá-lo. Mas como era político, a magia era essencial. Em Heelum, a magia não era familiar: proibida, tinha que encontrar maneiras sutis de sobreviver à sombra de tudo que era oficial. Os magos recrutavam apenas um discípulo por vez, muitas vezes ainda muito jovens, e lhes ensinavam a lidar com Neborum. Os filhos, protegidos das potenciais sanções aos magos, não ficavam totalmente de fora da partilha das benesses: os magos costumavam ser bem-sucedidos e, ricos, ofereciam a eles tudo o que precisavam e queriam.
O povo de Al-u-een era orgulhoso de sua cidade por vários motivos. Mas, de todas as coisas que eram e faziam, nada deixava a população mais contente do que a crença de que a cidade funcionava sem a dominação dos magos. Na política, cada pessoa --- inclusive as crianças --- tinha direito a um voto. Os votos elegiam mais de setenta parlamentares que, em debates públicos, discutiam assuntos relevantes para a cidade, tomando decisões. Prezando a justiça e a equanimidade, a maior parte dos cidadãos de Al-u-een, mesmo os que não viviam tão bem quanto outros, via a si mesma como modelo para toda Heelum, e acreditava-se imune à forma egoísta como os magos lidavam com as vidas de todos que os cercavam.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasíaNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...