[10] O Demônio do Meio-Dia.

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Nina adentra à livraria e o sino que fica sobre porta balança e soa pelo ambiente. Ela segue por entre os corredores de estantes de madeira e chega a uma a qual sorri ao encontrar alguns dos livros que ela gostaria de ler.
 
— Eu vou procurar um livro, ok? — Digo, pondo a mão em suas costas. — Me ligue, se precisar de mim. Sei que sua mãe te deu meu número. — Asseguro.
 
Nina assente levemente e puxa um livro de uma as prateleiras da estante.
Sigo pelo corredor até o fim. Procuro uma atendente e ela diz que vai pegar e volta em cinco minutos. Só simplesmente me sento em uma poltrona e pego meu celular no bolso. Há algumas mensagens de Natalie perguntando aonde estou e não hesito em dizer que estou em uma livraria. Ela disse que estava no shopping.
 
— Aqui, senhor. — A atendente me entrega o livro.

— Valeu. — Sorrio e ando de volta para os corredores.
 
Eu até hesito em chamar Nina, mas ela não irá me responder, então desisto. Só a procuro por entre os corredores de estantes e a consigo achar completamente enrolada com a quantidade de livros que ela carrega e ainda tentando pegar mais um em uma prateleira alta demais para ela.
Rio e pego alguns dos livros que ela carrega para ajudá-la. Também me estico para pegar o livro que ela queria e o ponho sobre a pilha que seguro.
 
— Você vai mesmo ler tudo isso? —  Arqueio as sobrancelhas.
 
Nina assente com um pequeno sorriso envergonhado e passa por mim indo em direção ao caixa.
Compramos seus remédios, vários casacos e moletons, sapatilhas de ballet, ração e potes para a ração para os gatos. Ela não falou uma palavra, só fez o que tinha que fazer e eu a levei embora.
Acho que ela gosta de mim. Tipo, como pessoa. Eu gostaria que sim. Eu gosto de causar boas impressões e existem pessoas que merecem ter boas impressões das outras. Isso é muito legal.
Ajudo-a a levar seus vários livros ao seu quarto e ela pede para eu deixá-los em sua cama. Ela abre um sorriso e acena quando saio do quarto. Sorrio.
 
— Margot? — Grito seu nome enquanto desço as escadas.
 
— Oi. Volto já. Eu irei fazer a pesagem dela, dar os remédios de agora e fazer a verificação. — Ela diz, subindo as escadas.
 
— Verificação...? — Questiono com as sobrancelhas arqueadas.
 
— Verificação de novos cortes. Ver se ela fez de novo. — Margot diz com um tom óbvio.
 
— Fez o quê? — Digo, sem entender.
 
— Se ela... se cortou, Adam. Por que mais ela usaria tanta roupa assim? —  Margot diz passivamente. — Nina tem cicatrizes por, literalmente, todo o corpo. Depois da morte do pai dela, foi a única saída para que ela não... você sabe. — Ela suspira. Sua voz é suave e se arrasta nas palavras, dizendo-as com cuidado excessivo. — Verifico todos os dias para ver se não há algo novo. Os antidepressivos não tem feito efeito.
 
— Então ela...? — Engulo a seco.
 
— Sim. — Margot assente. — Não fale que eu te contei, por favor. Ela não gosta que sintam pena dela.
 
— Não sinto.
 
— Sei que não. — Margot assente e se vira para subir as escadas e ir até Nina.

Não sei bem como ponderar essa informação. Sinto um nó fechar minha garganta e entendo, por um instante, como é não conseguir ser capaz de dizer absolutamente nada.

(...)

— Aqui. — Margot me entrega o livro.
 
— Algo novo? Sabe... com ela? —  Pergunto calmamente.
 
— Não, tudo em ordem. Tomou os remédios corretamente, peso no ideal e nada de novo. — Ela anui, percebendo minha ansiedade.
 
— Ainda bem. — Suspiro em um alívio. — Eu vou ler. Tenho muito o que fazer. — Rio.
 
Me sento na varanda da frente, nas escadas que dão para a grama verde se arrastando até o cais do lindo lago diante de mim. É pacífico e silencioso. Sinto-me melhor morando aqui que na cidade, no meio da movimentação. A minha rua era calma como essa, mas não possuía essa vista.

A primeira página, tecnicamente, a qual pertence à dedicatória, há algo marcado, dizendo: Ao meu pai, que por duas vezes, me deu a vida.
 
Meu. Deus.
 
O sumário tem quatro capítulos, de doze, grifados, sendo eles: Depressão, Colapsos, Suicídio e Esperança.
 
Ok, vamos lá, Adam.
 
Na página seguinte, tem uma frase que diz: "Tudo passa – sofrimento, dor, sangue, fome, peste. A espada também passará, mas as estrelas ainda permanecerão quando as sombras de nossa presença e nossos feitos se estiverem desvanecido da Terra. Não há homem que não saiba disso. Por que então voltamos nossos olhos para as estrelas? Por quê?"
Mikhail Bulgakok, O exército branco.
 
Ok, vamos prosseguir. Isso é tão revelador e eu acho que nunca li algo tão profundo. Não sou tanto de ler assim.
  
" 1. Depressão.
A depressão é a  perfeição do amor. Para poder amar, temos que ser capazes de nos desesperarmos ante perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, destrói o indivíduo e finalmente ofusca sua capacidade de dar ou receber afeição. Ela é a solidão dentro de nós que se torna manifesta e destrói não apenas a conexão com os outros, mas também a capacidade de estar em paz consigo mesmo. Embora não previna contra a depressão, o amor é o que tranquiliza a mente e a protege de si mesma (...). Quando estão bem, certas pessoas amam a si mesmas, algumas amam a outros, há quem ame o trabalho e quem ame a Deus: De qualquer uma dessas paixões, pode oferecer o sentido vital de propósito, que é o oposto da depressão.
O amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o amor. Na depressão, a falta de significado de cada empreendimento e de cada emoção, a falta de significado da própria vida, se tornam evidentes. O único sentimento que resta nesse estado despido de amor, é a insignificância.
A vida é cheia de tristezas: Pouco importa o que vamos fazer, no final, todos vamos todos morrer; cada um de nós está preso à solidão de um corpo independente; o tempo passa, o que passou, nunca voltará. A dor é a nossa primeira experiência de desamparo do mundo e ela nunca nos deixa."
 
 
A profundidade disso apenas na primeira página é um tanto quanto perturbador. Como Nina está se sentindo nesse exato momento e como vem se sentindo há anos; todos os dias, durante todo o dia, por tanto tempo. Eu não aguentaria se estivesse no lugar dela e eu não sei quem mais aguentaria. É como viver preso dentro de si sem ter cometido nenhum crime para aquilo; como ser acusado injustamente por algo que nem você sabe o que é, e o pior de tudo: não conseguir sair porque além de ninguém acreditar em você, ninguém está disposto a provar que você não fez nada para estar ali e merecer aquilo.

O Silêncio Entre Nós Onde histórias criam vida. Descubra agora