O jovem príncipe observava a movimentação da cidade abaixo do seu local preferido no castelo, a sacada da Torre Celeste, o ponto mais alto da capital. Sentia orgulho de seu povo, pois era trabalhador, resistente e tinha muita fibra. O ataque havia ocorrido há poucos dias deixando um rastro caótico de destruição, ainda assim, muitos reparos já estavam quase prontos. Era possível avistar grupos de trabalhadores reconstituindo telhados e erguendo paredes em dezenas de lugares diferentes da cidade. O mesmo podia ser observado, do outro lado do rio, na cidadela de Clyderesh.
Às vezes, Edwain se pegava pensando em seu tio que nunca conheceu, Sir Clyde. Havia uma pintura grande dele no salão dos cavaleiros, no segundo piso. Tinha o queixo quadrado, bigode farto, cabelos muito pretos destacados contra o fundo amarelado da pintura. Vestia uma armadura de placas que refletia o sol com intensidade e uma capa verde com brasão da família e outros detalhes bordados em branco. Ele era parecido com o avô, a diferença notável estava nos cabelos grisalhos e rugas na testa e ao redor dos olhos.
Sir. Clyde era o primeiro cavaleiro de Kamenesh e morreu muito cedo, após a morte do Rei Corélius, de Lacoresh. Na ocasião, o reino passou para as mãos de seu primo, o Arquiduque Maurícius Greysnow, o líder dos conspiradores necromantes.
Seu avô contava que o período que sucedeu a morte de Clyde foi o mais difícil para ele: era se rebelar contra o novo rei e entregar Kamanesh a um destino desconhecido, ou ignorar o golpe e fazer o seu melhor para defender o povo em sua região.
"Foi tão difícil, que eu quase falhei." dissera Dwain.
"Como assim, vovô?"
"No início eu tentei ser forte, mas minha força foi sendo minada com o tempo. Até que num dado momento, cheguei a abandonar o povo. Deixei de cumprir meu dever de governante. Como dizem, eu apenas empurrei o ducado com a barriga. As cidades e todas as vilas sofreram muito nestes anos."
"E o que aconteceu depois, vovô?"
"Ah, fui inspirado a lutar novamente. A tragédia da maldição do imperador me forçou a agir. Ter um inimigo direto meu deu forças para voltar a defender nosso povo. Por um período, Lacoresh ficou sem comando, sem um soberano. Foi então que assumi Kamanesh de vez, e foi então que o povo me aclamou como seu rei. Desde então, todos os dias, meu principal foco é servir. Um dia, meu neto, vai chegar sua hora. Lembre-se disso, o Rei é que deve servir ao povo, e não o inverso."
Edwain se perguntava se seria capaz de governar tão bem quanto seu avô e se sentia inseguro. Apertava os dedos contra a pedra fria da sacada. Precisava de apoio e buscou-o olhando para baixo.
Ali, no pátio, era possível ver a rotina de exercícios dos mais graduados cavaleiros de Kamanesh, os Blackwings. Era uma ordem de cavaleiros como nunca se vira na história do reino, pois muitos deles eram capazes de operar magia, evocar os sagrados ofícios além de possuir alguns mentalistas treinados para lutar conforme os fluxos de jii. Depois de procurar atentamente, Edwain concluiu que a Capitã não estava no pátio. Já estaria recuperada? Teve notícias de que sofreu um ferimento grave confrontando um demônio enorme no pátio do castelo.
– Aí está o senhor... – disse um membro da guarda recuperando o fôlego. – é esperado na sala do conselho, Alteza.
– Obrigado por avisar – Edwain virou-se, revelando seu rosto infantil demais para a idade que possuía. – Como se chama?
– Anry, senhor.
– Muito bem, Anry, avise-os que estou à caminho.
– Sim, senhor!
Edwain aprendia muito observando. Uma coisa que aprendeu com seu avô, foi que ele procurava conhecer o nome de cada soldado, criado, comerciante, com quem tinha contato. Tratava-os pelo nome. Talvez não fosse apenas isso, mas acreditava que era uma das razões pelas quais fora um monarca tão querido.
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Herdeiros de Kamanesh
FantasyCerca de vinte anos após a abertura de um novo elo para as dimensões abissais, e da liberação da praga de mortos-vivos sobre o reino de Lacoresh, um novo reino ainda frágil, Kamanesh, tenta se erguer das cinzas do antigo império. O jovem príncipe E...