Desjejum inesperado

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Hégio não chegava a ser um estrangeiro em Kamanesh. A cidade havia se tornado uma de suas principais praças de trabalho, e sempre havia trabalho, uma vez que viajar entre as cidades e vilas fortificadas era algo que alguém precisava fazer. Ele fazia questão de conhecer as pessoas certas aqui e ali, oferecer presentes e pequenas coisas que conseguia em suas viagens. Sempre guardava o nome e alguma informação útil a respeito da vida particular daqueles com quem desenvolvia negócios. E a sua visão de negócios era ampla, de forma que criados, soldados, marceneiros e sapateiros também estavam em sua lista de contatos.

Assim, não foi difícil para ele descobrir o paradeiro da Capitã. Ele a procurou no castelo e descobriu que estava de folga. Que passava muito tempo na academia, mas também era vista nas ruas da cidadela de Clyderesh. Por causa do véu era notada facilmente, mas estava se esforçando para não ser notada. Andava nas ruas apenas bem cedo, ou então após o crepúsculo.

E foi simulando uma coincidência que Hégio a abordou.

– Capitã. mas que surpresa!

Era cedo, estava frio e as ruas de Clyderesh estavam embaçadas por uma neblina suave.

– Greyhill? – ela surpreendeu-se ao vê-lo surgir saindo de uma ruela adjacente.

– E então, quando partiremos para uma nova viagem? Foi um grande prazer tê-la como companhia – ele chegou bem perto, um pequeno passo a mais do que ela considerava uma distância confortável. Tinha um sorriso sincero estampado no rosto que para ela era perturbador.

– Não acredito que viajemos juntos novamente.

– Bem, talvez não, mas que tal tomarmos um café? Há um lugar aqui perto que serve chá de raiz doce e queijo fresco.

– Não, estou ocupada.

– Mas não está de folga?

Aquilo deixou-a desconfiada. – Como sabe disso?

– Ora, a falta de alguém importante como você é facilmente notada... Além do mais, alguns cavaleiros da sua ordem são bons conhecidos meus.

Ela ficou tentada a perscrutar os pensamentos dele. Mas ele seguiu insistindo.

– E então? Já comeu alguma coisa? Algo me diz que não...

Era verdade. Ela pretendia comer mais tarde, quando chegasse ao jardim.

– É logo ali, perto do rio – indicou Greyhill – Estou certo que alguns minutos não vão atrapalhar seus planos para hoje...

A Capitã pensou em Nathannis, sentia falta dele. Passava também por uma crise, sua mente mergulhada em pensamentos indesejados. Na noite anterior, havia colocado tudo para fora e dormira imediatamente ao chegar em sua cama. Seu estômago estava gritando por comida e a oferta de Greyhill, apesar dele ser um falastrão incômodo, tornou-se irresistível.

– Muito bem, vamos.

Logo chegaram a uma das casa pobres na margem do rio que dividia as cidades. Ali, antes da construção de Clyderesh, era uma das regiões mais miseráveis de Kamanesh. As condições eram um pouco melhores nestes dias, mas ainda precárias.

A velha que vivia com um neto, ainda menino, tinha alguns clientes que lhes garantiam o sustento. No quintal, sem capinar, alguns bancos improvisados com restos de madeira ficavam perto dos fundos da casa, onde havia um fogão a lenha. Ali ela fazia comida e o dia inteiro e era visitada por uma clientela que podia pagar muito pouco.

Havia chá, queijo e também mingau naquela manhã.

– Quem é seu amigo, Ginho? – a velha enxergava mal e ao ver alguém de armadura concluiu que era um homem. A Capitã estava acostumada a ser tomada por homem, mesmo por pessoas com visão perfeita.

Herdeiros de KamaneshOnde histórias criam vida. Descubra agora