Mancha marrom

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O ataque esperado no dia anterior, não veio. Então era certo que usariam a noite, ou a madrugada, mas também não vieram. Talvez os nortenhos estivessem considerando que não valeria a pena forçar as muralhas agora que suas defesas estavam reforçadas pelas tropas de Lacoresh. Muitos pensavam assim e esperavam ver as tropas partirem dali, ou então, o envio de um mensageiro exigindo algum pagamento para que os deixasse em paz.

Edwain acordou bem cedo naquele dia. Sentia-se bem melhor, exceto por um incômodo no ombro ferido. Havia dormido por mais que doze horas, desde a tarde anterior quando esteve reunido com o príncipe Kain.

Apesar dos protestos de sua mãe e de outros que também sugeriam que descansasse mais, Edwain impôs sua vontade régia recém adquirida para fazer o que desejava. Após uma breve conferência com alguns blackwings, homens de Lacoresh e com a própria capitã, decidiu sair do palácio e descer até a muralha, no flanco oeste onde o exército de Whiteleaf estava acampado. Antes de chegar lá, fez questão de visitar os feridos que haviam lutado no dia anterior contra Tarpin e os demais. Queria agradecer. Também pediu que mensagens fossem enviadas às famílias dos mortos e que assim que possível os receberia. Pretendia realizar uma homenagem assim que a crise estivesse resolvida. Soube, na enfermaria, que o Cavaleiro Galdrik estava se recuperando em sua casa e que Arifa estava ao seu lado. Além de toda sua história com ela, agora lhe devia sua vida.

O jovem rei chegou até a muralha, mas não conseguiu dissuadir a Capitã de acompanhá-lo. De fato, não poderia ter melhor escorte.

— De volta aos Saltadores, majestade? — Ailynn indagou quando percebeu que o príncipe cavalgava em direção àquele trecho.

— Sim, eu gostei de lá. Como rei, não quero ficar encastelado. Quero combater junto com meu povo.

— Se houver combate...

— Aprecio o otimismo dos conselheiros, mas não acho que Aaron irá partir. Sinto que senão, hoje, em poucos dias veremos sangue em nossas muralhas.

A Capitã não discordava. Desmontaram junto à muralha.

— De pé! De pé! — Edwain apressou-se em dizer quando viu homens se ajoelhando para cumprimentá-lo. — Se alguém deve se ajoelhar, este deveria ser eu para agradecer o serviço fiel de bons homens como vocês.

O sargento DiBrec veio até eles, um tanto sem graça — Me desculpe, majestade, se fizesse ideia... — o boato de que o aluno nortenho, Redwall, era na verdade era Edwain havia se espalhado, desde que havia se transformado sob olhar de testemunhas no dia anterior. O fato poderia ter sido negado, desculpas poderiam ter sido dadas, mas Edwain já havia aceitado enterrar Redwall.

— Não peça desculpas por fazer seu serviço de modo decente, Sgt. DiBrec.

— Este velho soldado está aqui para serví-lo, majestade. Capitã. — DiBrev coçou a careca e deu um olhar temeroso para ela. Ela usava novamente sua armadura, elmo e antigo véu.

— Vamos subir. Quero dar uma olhada na movimentação deles.

— Estão bem parados, desde cedo, meu senhor.

Edwain podia sentir algo no ar. Algo havia despertado nele desde que destrancou um potente fluxo de jii na luta do dia anterior. Ele farejava o perigo. Um perigo que parecia se aproximar, sentia isso de modo intestinal.

Subiram as escadarias e ficaram a observar o acampamento do exército, não muito distante dali.

A Capitã e DiBrec começaram a discutir algo a respeito dos Lacoreses que agora integravam a guarnição. Havia mais que o dobro de homens agora. Aquela conversa entre Kain e Edwain, sobre ele se tornar também rei de Lacoresh ainda não havia se tornado pública. Muitos Lacoreses não pareciam estar nada satisfeitos com as ordens de abandonar seu reino para defender o vizinho, considerado por muitos como insurgente. Edwain pode notar isso no olhar dos soldados e cavaleiros. Pensou por alguns instantes no futuro, em assumir o comando de Lacoresh, de modo que não prestou atenção na conversa dos dois. Seu olhar se desviou para o nordeste. Farejava algo naquela direção. E então viu o movimento. Algo como uma mancha marrom. Ele apontou na direção, outros também já haviam visto.

— São demônios? — indagou Edwain.

A Capitã pressionou os olhos e disse — Parece que sim...

— Desculpe, Capitã — interveio DiBrec — Não são demônios. São bestiais! — o velho sargento havia lutado na segunda guerra dos bestiais, sob comando do Duque Dwain. Partira com tropas kamanenses para lutar contra as criaturas no extinto Condado de MontGrey.

— Bestiais? Tantos assim?

A Capitã já encontrara alguns, mas nunca vira grupos com mais de vinte ou trinta. Eles marchavam para Kamanesh e eram milhares.

— Então é por isso que eles ainda não atacaram. — Edwain sentiu o sangue escapar de sua face. Sua intuição estava correta. Haveria luta, ainda naquele dia.  

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