Assim que entrou no Jardim, a Capitã tirou o véu e atirou-o de lado. Era o único lugar no mundo onde se sentia bem, se sentia livre. O perfume das flores invadiu suas narinas e desatou com pressa as fivelas que prendiam as peças de armadura a seu corpo. Estava livre, era só uma garota. Correu pela relva e deitou-se no gramado convidativo.
O Jardim era amplo e cercado por muros altos por todos os lados. Um santuário secreto localizado em plena Clyderesh. Havia uma variedade de plantas, flores e fontes, arranjadas de modo harmonioso. Não era um jardim natural, havia muita magia presente ali e sua beleza incomum tornavam-no uma paisagem divina.
A grande árvore, no centro, estava carregada de frutos dourados. Ela os observou por algum tempo e esticou a mão na direção de um deles. A magia foi acionada e o fruto flutuou até sua mão. Era uma fruta doce e suculenta capaz de revigorar suas energias. Era seu segundo dia ali, e sua estadia a deixaria nova em folha. Todos seus ferimentos e ossos que ainda doíam por causa da luta contra os demônios, voltariam ao normal. Se apenas pudesse ficar ali mais tempo, para sempre...
Kandel queria que ele descansasse e era isto que estava fazendo. Não trouxe as anotações de Nathannis para ali, na verdade, não criou coragem para ler uma linha sequer das notas do amigo falecido.
A tristeza e a dor, no Jardim, tornavam-se mais amenas, uma mera melancolia. O problema era o choque que sofria ao deixar o local. Mas não queria pensar naquilo. Não queria pensar em nada. Então, abriu o livro que recebeu de Hégio e leu os poemas. Falavam da natureza, das pessoas, de amantes, de perdas... Eram simples, mas belos. E tiraram lágrimas dos olhos da Capitã.
– Sua alma chora, minha filha. – veio a voz bondosa, como que vinda do nada.
A Capitã se assustou e sentou-se. Ali, seus olhos conseguiam penetrar na outra dimensão e o Mundo Invisível se descortinava. Quem havia falado com ela era um espírito, o espírito de uma silfa.
– Mestra, bom dia!
– Quem bom vê-la novamente, minha filha. – a silfa era idosa, mas seus traços eram de fina beleza. Seus cabelos brancos pareciam vibrar suavemente como plumas sopradas.
Muitos não sabiam, mas daquele jardim emanavam proteções que afastavam mortos-vivos e maus espíritos de Kamanesh, complementando as defesas das muralhas. O Jardim era o coração de Clyderesh, um presente dos silfos ao Rei Dwain, que os abrigou após o surgimento da Praga de Maurícius.
– Achei que não fosse conseguir contactá-la. — ela enxugou as lágrimas.
– Estávamos ocupados ontem, e ainda estamos, mas consegui um tempo para você, filha.
– Como estão as coisas do outro lado?
– Ruins. Piorando. Não vai demorar até que mais sofrimento caia sobre o reino.
– O que devo fazer?
– Aceitar-se. Confiar em si mesma. E fazer aquilo para que se preparou por toda sua vida: proteger Kamanesh.
– Mas eu falhei. Usei meus poderes para comandar a mente de outra pessoa.
– E com isso, salvou a vida do Monge Yaren. Não se preocupe com isso, filha. Você foi um instrumento perfeito da vontade dos deuses. A vinda de Yaren de volta a Kamanesh foi vital para a sobrevivência do reino. Proteja-o, como se estivesse protegendo o Rei Dwain.
– Sim, farei isto!
– Volte depois conversaremos com mais calma.
– Espere, Mestra Lalith, não vá!
Lalith apontou para trás da Capitã que virou-se para ver. Era seu tio, Will, mas em carne e osso. Quando ela voltou o olhar para a silfa, ela já havia desaparecido.
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Herdeiros de Kamanesh
FantasyCerca de vinte anos após a abertura de um novo elo para as dimensões abissais, e da liberação da praga de mortos-vivos sobre o reino de Lacoresh, um novo reino ainda frágil, Kamanesh, tenta se erguer das cinzas do antigo império. O jovem príncipe E...