O resgate dos Desbrin

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Edwain tomou a frente dos cavaleiros cavalgando depressa pelas ruas de Kamanesh. O cavaleiro grandalhão conhecido como Mão-Pesada havia derrubado, com seu machado, um par de bestiais que encontraram no primeiro quarteirão. Homens de Whiteleaf ainda não havia penetrado a cidade e os bestiais que haviam estavam mais ao sul.

— Alteza! — chamou Chad — Devemos seguir para Clyderesh.

Chad era um jovem de rosto vermelho e cabelos castanhos claros que escapavam do elmo negro dos blackwings.

— Sim, Sir. Chad, e iremos. É apenas um pequeno desvio.

— Senhor, a Capitã...

Edwain continuou cavalgando e retrucou — É logo ali, nos Altos Barões. Precisamos avisá-los.

— Avisar quem?

Edwain não respondeu. E seguiu, desviando-se da rota direta para Clyderesh para entrar no bairro de ruas largas e mansões. Ele gritava enquanto avançava. — Atenção! Para Clyderesh! Todos recuem para a cidadela!

Algumas pessoas comentavam observando a passagem deles de suas janelas e sacadas. Diziam coisas como: Aquele era o príncipe? O jovem rei? A muralha está perdida, pegue nossas coisas, para a cidadela!

Chad e Mão-Pesada entenderam a ideia e também foram avisando quem encontravam no caminho a respeito disso. Edwain não sabia exatamente onde era a casa dos Desbrin, mas conhecia o brasão da família.

— Chad, Mão-Pesada, sabem onde fica a casa de Galdrik Desbrin?

Mão-Pesada era um cavaleiro de origem humilde, formado na academia e mal conhecia o bairro. Chad era de Situr e mal havia falado com Galdrik, apesar de conhecê-lo de vista.

Edwain deu uma guinada em seu cavalo virando numa rua mais estreita. Algo lhe dizia que devia seguir por ali. De repente, pode ver a imagem de Arifa em sua mente, estranhou, pois não se parecia com a imagem de uma memória. Estaria usando o jii inconscientemente? Seu coração batia veloz. Em sua imaginação, via Arifa dentro de sua casa, cuidando do pai ferido, recusando-se a sair. Via também o fogo se alastrar. Viu sua amiga, não, a garota que amava, morrendo de modo horrível ao tentar arrastar seu pai para fora da casa em chamas. Quando deu por si, viu uma casa recuada, com um jardim bem cuidado e o brasão dos Desbrin, a cabeça de um cão, adornado o portão de ferro.

— É aqui! — parou o cavalo e apeou.

— Arifa! Arifa! — ele gritou.

Viu um movimento na janela do segundo andar. O coração dele bateu mais forte e seu estômago se torceu ao ver a cortina ser afastada e surgir o rosto dela emoldurado pelos cabelos loiros e longos.

— Eduard? — ela disse baixinho e abriu a janela. — Edwain?

— Arifa, não há tempo. Venham todos. Devemos recuar para Clyderesh.

— Não posso Ed, meu pai...

— Vamos dar um jeito de levá-lo. Mão-Pesada, vá até lá e ajude a trazer o Cavaleiro Galdrik.

Arifa recuou da janela e pouco depois surgiu na porta da casa acompanhada de dois criados. O cavaleiro grandalhão entrou e foi buscar o pai dela.

Edwain chegou perto dela e num impulso tomou-a pela mão. — Vocês tem cavalos?

Ela corou, soltou a mão e respondeu com um aceno. — Sim, dois.

— Vamos usá-los, veja! — a casa de Arifa ficava num local elevado e de lá podiam ver fogo e fumaça em construções próximas da muralha. Era possível ver também alguns pontos na muralha de onde jorravam soldados nortenhos com suas jaquetas e mantas vermelhas. Dali também podiam ver um enorme fluxo de pessoas cruzando a ponte para o lado leste da cidade. Na região próxima ao palácio, havia embates. Edwain engoliu seco e rezou aos deuses para que sua mãe e outros tantos conseguissem escapar.

Arifa enxugou lágrimas que queriam pular de seus olhos. — Ai, Ed, não acredito...

— Nós vamos prevalecer — ele tentou passar alguma segurança, mas não tinha a menor noção se teriam forças para resistir ao ataque.

Um criado logo trouxe os dois cavalos para a frente da casa. Arifa disse com formalidade.

— Majestade, essas são minhas tias, Augustine e Hilde Desbrin. Ambas eram loiras e altas, uma magra e elegante a outra tinha a mesma altura, mas era encorpada.

As tias de Arifa eram mulheres meia idade e viúvas e vestiam roupas de casa, pretas, mas elegantes. Fizeram uma reverência e disseram — Um prazer conhecê-lo, majestade.

— Desculpe nossa aparência — disse a outra, envergonhada.

— Estou encantado — encontrou forças para dizer.

As tias de Arifa, desajeitadas, dividiram um dos cavalos. O pai dela, mal conseguia caminhar e contou com a ajuda de Mão-Pesada e de um criado mais forte para colocá-lo sobre o outro. Ele teve tempo apenas de colocar um casaco por cima de seu pijama.

Edwain montou e ofereceu a mão para que Arifa subisse em sua garupa. Edwain sentiu um arrepio quando ela segurou-o pela cintura. Já ela tomou um susto, pois do nada, viu algumas imagens de sua casa em chamas e ela e um criado tentando levar o pai para fora. Ela ficou confusa por um instante, mas compreendeu. De algum modo, Edwain havia tido uma visão e viera salvá-la. Foi então que percebeu que gostava de Eduard Redwall, mas que se negava a aceitar isso. Havia percebido que ele tinha interesse por ela, uma relação que seu pai nunca aprovaria. Mas agora, que Eduard era Edwain, era o Rei, sabia que não haveria impedimentos. Aquela barreira caiu e ela sentiu o coração acelerar, percebendo que estava ali, muito próxima da pessoa de quem gostava.

Chad observou uma velha criada que andava devagar demais e deu a volta com seu cavalo para buscá-la. As outras pessoas da casa teriam de se virar a pé para chegar em Clyderesh.

— Majestade... — a voz de Galdrik vinha fraca e ele estava pálido — Obrigado por vir salvar minha família.

Edwain ficou sem graça — É o mínimo que poderia fazer por um herói.

Sentia vergonha de mentir e imaginar que o pai dela, as tias, ou mesmo os cavaleiros pudessem perceber que ele estava ali apenas por causa de Arifa. Galdrik fingiu aceitar o elogio, mas conseguia perceber claramente, através do jii, o interesse do rapaz por sua filha. Então, inclinado sobre o cavalo e segurando a dor, colocou-o em movimento.

Toda aquela movimentação havia levado tempo. Enquanto desciam os morros para a parte mais baixa do bairro, viram que numerosas tropas de Whiteleaf se aproximavam da ponte derrubado os resistentes e também rendendo outros. A porção oeste da cidade já havia sido tomada pelos nortenhos. Como tinham a vantagem de avançar de cavalo, conseguiram chegar até a ponte. Arifa olhava para trás o tempo todo, preocupada com outras pessoas de sua família e com os criados, que vinham correndo, bem mais atrás.

Linhas de soldados lacoreses e da cidade davam passagem aos fugitivos e aguardavam o chegada dos inimigos. Atrás destes, e posicionados em toda margem do rio, na vizinhança da ponte, centenas de arqueiros se preparavam para a defesa. Mais adiante, os portões de Clyderesh ainda estavam entreabertos, a fim de receber os refugiados que vinham de todas as partes da cidade. Mas nem todos buscavam abrigo na cidadela. Havia aqueles que preferiam deixar a cidade pelo portão leste. Comerciantes habituados a viajar e pessoas vindas do reino vizinho, Homenase, pensavam que ir para lá era uma boa opção até a poeira baixar em Kamanesh. E havia aqueles que tinham a certeza de que a cidade cairia e levavam o que podiam para fora da cidade.

Herdeiros de KamaneshOnde histórias criam vida. Descubra agora