Legado de Tisamir

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A batalha para evitar o cruzamento da ponte não chegou a ser longa. Havia uma vantagem defensiva quanto ao terreno, mas se fosse levada até o fim, seriam derrotados e com muitas baixas. Então a Capitã comandou a retirada e as tropas recuaram para dentro dos portões de Clyderesh.

A cidadela fora construída com o objetivo de ser uma segunda fortificação dentro da cidade e era muito mais defensável. Se o exército de Whiteleaf quisesse entrar ali, teria de sofrer muito mais e já houvera lutas demais para um dia. Como esperado, o ataque não veio, mas era duro ver os saques e destruição que os nortenhos provocavam por toda a cidade. Nem todos tiveram a sorte, ou mesmo, a coragem para sair de suas casas em busca de abrigo em Clyderesh. Como havia muita gente abrigada em Clyderesh, era mais certo que um cerco fosse aplicado. Não precisariam esperar muito tempo até que todos estivessem fracos, famintos e prontos para se renderem.

Abrigos vinham sendo improvisados no interior da cidadela e os nobres e comandantes militares tomaram o prédio da academia como base. Edwain esteve com a mãe, que estava muito mal, sofrendo dos nervos. Tentou tranquilizá-la, mas ela só ficaria tranquila sob o efeito do chá com sedativos que seu médico lhe ofereceu. Depois que ela adormeceu, Edwain deixou o quarto improvisado e foi até o antigo laboratório de Ivrantz, onde Kain o aguardava.

O governante de Lacoresh examinava alguns livros do falecido Ivrantz. Vestia apenas uma camisa de baixo e não usava suas luvas, como o de costume. Ele ergueu o olhar azul cristalino para Edwain. O jeito que o olhava era incômodo, parecia conseguir penetrar em sua alma.

— A situação é ruim, mas consigo ver algumas possibilidades.

Edwain aproximou-se. Vinha se esforçando até seu limite para passar segurança e esperança, mas em seu íntimo acreditava que a derrota chegaria, cedo ou tarde. Edwain olhou para os braços muito brancos e as mãos velhas, cheias de manchas e rugas de Kain. Sua mão esquerda tinha marcas vermelhas que subiam até o antebraço, como se tivesse sido amarrada por uma corda, ou algo assim. Ao lado dela, sobre a mesa, havia um bracelete negro que imitava um longo dragão em forma de serpente. Na cabeça do dragão, olhos de rubi.

Kain continuou — Será preciso força e coragem de sua parte.

— Farei o que for preciso.

— Bom. Passei o dia todo aqui, pensando e também investigando as linhas do destino.

Edwain sentou-se no divã, próximo à mesa. Estava exausto. Ele até se deitaria, mas sentia que seria falta de respeito.

— Pode recostar, você parece cansado — disse Kain apenas como uma sugestão, mas na verdade, podia ler bem a mente do rapaz.

Edwain recostou-se aliviado e suspirou.

— Eu não era tão jovem como você, mas em minha juventude, cometi erros. Durante muito tempo, não fui capaz de ver as consequências. Mas quando finalmente o fiz, passei a vida toda tentando corrigí-los. Poucos sabem, mas fui casado com a falecida rainha Hana, quando muito jovem. E tivemos um filho que só fui conhecer muitos anos mais tarde.

— Então há um herdeiro para Lacoresh?

— Infelizmente sim, mas tenho minhas dúvidas que meu filho ainda deseje ser rei de um reino moribundo.

— Então ele vive?

— Infelizmente, sim.

— Como assim?

— Já ouviu falar estórias do sinistro Barão Calisto, o rapaz de olhos negros.

— Ele não está morto?

— Eu também cheguei a pensar que estivesse, mas obtive evidências recentes de que não. Enfim, meu maior erro foi não perdoar Hana, há muitos anos, em Tisamir. Se o tivesse feito, certamente meu filho não teria se perdido para as trevas.

Herdeiros de KamaneshOnde histórias criam vida. Descubra agora