Espectro

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Após recuperar as montarias na estalagem, seguiram apressados para fora de Lacoresh. O problema é que como Yaren teve que pegar carona com a Capitã, sua montaria logo se cansou. Assim, estavam agora há cerca de duas horas de distância de Lacoresh, seguindo aquele trecho à pé.

Greyhill estava preocupado, pois detestava viajar de noite. O sol ainda estava alto, mas a noite chegaria em poucas horas.

Yaren contemplava a natureza, maravilhado. Como haviam tantas espécies de plantas, tantos formatos de folhas, flores. Tantos insetos diferentes, pequenos animais diversos, pássaros coloridos e de cantos variados. Caminhar pelo ermo era como reverenciar Deus.

A Capitã olhava para trás com frequência. Estava incomodada com a situação. Alguma coisa a oprimia. Sentia uma inquietação ao olhar para o monge com sua expressão serena e eventuais sorrisos espontâneos que ele dava, sem motivo aparente. "Como pode alguém sorrir assim, por coisa alguma?"

Ela voltou a observar que Greyhill estava taciturno. "Ao menos está com a matraca fechada..." Mas devido a inquietação que sentia no peito sentiu-se impelida a falar. "Vou me arrepender, eu sei..."

– O que há, Greyhill? Por que essa cara?

Ele tinha os lábios cerrados. – Vamos ter que viajar de noite.

– E isso é um problema? – indagou Yaren.

– Certamente pode vir a ser. Muitas criaturas malignas aparecem na noite. Mas podia ser pior. – ele apontou para o céu.

Yaren olhou para ele sem compreender.

O guia explicou – Teona e Tyteny estarão cheias hoje. Numa noite assim, não precisaremos usar tochas.

Yaren continuou olhando, como quem diz: e daí?

Hégio baixou os ombros e rolou os olhos – Então, não atrairemos coisas como as velas atraem mariposas.

– Fique tranquilo, Deus está sempre conosco.

O guia gargalhou com escárnio – Deus? Deuses? São meros contos de fadas.

– Ah, você tem problemas de fé, certo?

– Isto mesmo, e não me venha com pregações, está bem? Quando puder me mostrar um deus que eu possa ver e tocar, aí acreditarei nele.

– Mas Deus, e os Deuses, sempre estiveram presentes no mundo. Muitos foram os que se encontraram com eles.

– Os homens contam estórias, monge. Eu mesmo já vi como um fato gera diversas estórias incongruentes e exageradas.

Incongruente não era vocabulário que alguém do povo usaria, pensou a Capitã. Ela indagou – Onde aprendeu a falar assim, Greyhill?

Ele sorriu – Pensei que nunca ia me perguntar. Meu avô era da nobreza miúda, ele servia outro nobre em Xilos. Daí meu sobrenome. Mas quando MontGrey se perdeu para os bestiais, nossa família perdeu o resto do pouco que ainda tinha. Meu pai, como muitos, foi um cavaleiro de quem ninguém se recorda por que morreu cedo, em uma batalha de pouca importância. Então, meu avô era muito culto e me criou.

A Capitã se surpreendeu, pois não supunha que ele viesse de uma linhagem de cavaleiros. – E você não quis ser cavaleiro?

– Acho a ideia de jurar lealdade e depois ir morrer em batalhas sem sentido obscena.

– Obscenos são mercenários como você.

– Eu não sou mercenário nenhum, não! Sou apenas um guia. Ninguém fala mal de um sapateiro por que ele faz seu serviço a cada dia para uma pessoa diferente que o paga. Pobres dos mercenários honestos, ninguém nunca vai crer em sua honestidade.

Herdeiros de KamaneshOnde histórias criam vida. Descubra agora