Noite dos Demônios

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O enxame de demônios rompeu as defesas de Kamanesh. O terror se espalhou pelas ruas. E este ataque não poderia estar acontecendo em tempos piores, pois há menos de um mês, o Rei Dwain, o lúcido, havia morrido. Nenhum sucessor havia ascendido ao trono e o clima era tenso naqueles dias.

Do ponto mais alto da cidade, o palácio de Kamanesh, o jovem príncipe Edwain, neto do rei e herdeiro de Kamanesh, vigiava impassivo, todo o caos que consumia a cidade abaixo. Edwain estava na Torre celeste. Horrorizado apertava as mãos nuas contra a mureta gelada do ponto de observação. Via as centenas de focos de incêndio que surgiam em sua cidade. Demônios, fogo e morte também tomavam as muralhas internas da cidadela vizinha, Clyderesh.

Bestas aladas com fogo em seus corpos, voavam e projetavam um inferno de chamas sobre o local. A grande maioria dos habitantes ouviram lendas de demônios de fogo, mas nunca havia visto um antes, quanto mais, uma dezena destes.

– Para dentro, Alteza! – gritou um cavaleiro, membro da guarda real, vestido em sua armadura completa e pintada de negro.

O jovem príncipe se afastou da sacada tremendo. Ainda estava longe de se fazer homem, tinha apenas quatorze anos, mas muitos meninos de sua idade já eram mais altos ou encorpados. Ele ainda tinha um rosto de criança, olhos castanhos redondos e cabelos lisos num corte em cuia. Era considerado, por todos, muito imaturo.

– O que estava pensando, meu senhor? – o cavaleiro estava ofegante.

O rapaz tremia e disse – Eu, eu, tinha que ver.

Uma voz feminina e possante veio do interior da torre. – Você achou o príncipe?

– Sim capitã, eu... Por Leivisa! – o cavaleiro foi surpreendido. Ele era um membro da Ordem da Asa Negra, ou como eram conhecidos: Blackwings. O motivo da surpresa foi um demônio que zuniu para dentro do cômodo.

– Lumen Oném! – disse o cavaleiro convocando uma luz forte que se projetou à partir da ponta de sua espada sobre a criatura.

O demônio apertou os olhos protegendo-os com suas garras e sibilou. – Jkorr Brak!

Edwain, se encolheu trêmulo num canto e o cavaleiro avançou contra o demônio para poder defendê-lo. A espada resvalou na couraça da criatura, toda feita de uma malha de espinhos sobrepostos. O demônio revidou atirando-se contra o cavaleiro e agarrando-o com sua força inumana. O cavaleiro gemeu e o ente infernal se regozijou com uma risada arfante e sinistra – Glark, glark, glar!

Felizmente para o cavaleiro, a ajuda chegou em tempo. A espada da Capitã penetrou na axila do demônio, local desprotegido pela couraça espinhosa. A besta morreu soltando um gemido agudo e derrubando, junto consigo, o cavaleiro.

O menino arregalou os olhos ao contemplar o sangue escuro do demônio se espalhando pelo chão.

A capitã ajudou o cavaleiro a se levantar. Ela usava um elmo de metal avermelhado com duas asas tingidas de negro perolado que saiam de suas laterais. Preso neste, um capuz de tecido preto mesclado com cota de malha cinzenta cobria a cabeça, sem revelar nenhum detalhe de seu rosto, orelhas, ou cabelos. Na altura dos olhos, o tecido tinha pequenos orifícios que lhe proporcionavam a visão. Era a única abertura do capuz de tecido grosso que descia até os ombros. Sua armadura era do mesmo tom avermelhado e tinha no peito o desenho estilizado de um par de asas negras com dúzias de penas individuais dando forma ao todo. A capa que usava até a altura dos quadris era negra. Pela sua forma geral, não podia se supor que fosse uma mulher. Não havia na armadura nenhum sinal, entalhe, ou busto que sugerisse uma forma feminina.

– Oh não – murmurou a Capitã sentindo o perigo se aproximar. – Alteza, desça já! – Comandou de uma forma que ia além da simples fala. O menino tomou um impulso imediato e saltou energicamente em direção à saída do cômodo, mas antes que pudesse sair, algo chegou. A forma sombria e oblíqua penetrou através da sacada. Era um demônio três vezes maior que o primeiro, mas que maleável de algum modo, conseguia se espremer para entrar num espaço reduzido, tal qual um camundongo que se enfia nos menores orifícios.

Herdeiros de KamaneshOnde histórias criam vida. Descubra agora