Consequências

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Os olhos de Lady Kátia estavam esbugalhados e rajados de vermelho. Ela gritava com o príncipe nos aposentos particulares, mas as sentinelas que ficavam no final do corredor conseguiam escutar o escândalo.

— E olhe para suas botas! Estão imundas?

Edwain tentava não falar muito. A bronca que sua mãe vinha lhe dando fez um pouco do álcool evaporar, agora ao menos estava consciente do fato que sua fala estava embolada. Estava tentando evitar falar.

— Não minta para mim, Edwain Kaman! Onde esteve? Com quem esteve e o que andou bebendo?

Edwain deixou-se cair numa poltrona confortável forrada com um gostoso tecido vermelho escuro. Droga! Droga! Preciso pensar em algo. Algo que me ajude a me safar desta.

— Responda Edwain, sua mãe está falando com você!

— Eu... Não fui em lug'algum... Digo. Apenas no velho Lorcas.

— Então saiba que a partir de hoje, está proibido de voltar na casa daquele maldito velho corruptor! Será que não entende a gravidade dos fatos? Do risco que está correndo?

Ed ficou quieto por alguns instantes fazendo uma careta horrível. Se não pudesse ir mais ao Lorcas, significava que não retornaria à academia. Ele bufou e mordeu os lábios. Sim! Sim! Algumas ideias começavam a se formar em sua mente.

— Não mãe, escute. O véio Lorcas n'tem culpa. Sabe como sã'os velhos, né? Ele me deu a lição e dormiu. Eu estava entediado, então mexi nass'coisas'del. Achei uma bebida. Parecia um licor. Provei um pouquinho. Parecia fraquinha. Que nem aquel'licor de arroz quio vovô gostava. Era forte, mas n'parecia. Então eu levei a garrafa e fui tomando uns goles enquanto fazia a lição.

A mãe o olhava de modo desconfiado. Suspeitava de algo pior, alguma farra numa taverna. E se fosse o caso, teria havido cumplicidade por parte dos escoltas do príncipe. Ela estava com ódio deles e da possível incompetência de Kandel.

— É? E quanto a essas botas imundas?

Edwain convocava toda sua energia para pensar em algo plausível. Tentava se controlar ao máximo e falar mais devagar para não deixar a língua enrolar.

— Eu tive vontade de urinar. Há uma casinha nos fundos do Lorcas, no quintal. Só então que percebi que a bebida era forte. Eu tentei andar no caminho de cascalho, mas cambaleei e enterrei os pés numa poça de lama. Pode perguntar aos sentinelas. Eu não fui em lugar algum. Como poderia? Eu apenas estou me esforçando, mãe, pois quero ser um rei tão bom quanto o vovô.

Os olhos de Lady Kátia se encheram d'água. Edwain sorriu para ela e fez uma de suas caras de filho injustiçado, mas também arrependido.

— Desculpe, mamãe, eu não queria irritá-la, nem deixá-la preocupada.

A dama desmoronou e cedeu. Chegou junto e abraçou o filho.

— Está desculpado, filho. — sua voz tremia um pouco devido as lágrimas que se forçava a engolir.

Edwain enterrou o rosto na mãe e sorriu aliviado. Havia escapado. Sim. E além de tudo, tinha experimentado a liberdade. Talvez, aquele dia, tivesse sido o melhor de sua vida.

— Mãe, estou muito cansado. É melhor ir me deitar mais cedo.

— Faça isso, meu príncipe. E me prometa, sem mais bebidas, sim?

— Claro, mamãe. Eu prometo.

Edwain foi dormir. Estava cansado mesmo e despencou em sua cama com botas e tudo, deixando os pés para fora da cama. Sua mãe, apesar de ter perdoado o episódio, ainda estava insatisfeita com aquela situação. Ela saiu acompanhada de um dos guardas para ir ter com o general Kandel. Queria impor mais restrições nas visitas de Edwain ao velho Lorcas. Ia pedir para que um dos escoltas ficasse sempre de olho no príncipe, mesmo dentro da casa. A discussão com Kandel foi longa. Ele estava cansado, pois estava cuidando de uma dezena de assuntos desde que assumira a regência do reino.

Herdeiros de KamaneshOnde histórias criam vida. Descubra agora