Conspiradores da Necrópole

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Aquela ruína já fora o centro das atividades dos necromantes e responsável pela expansão do império Lacorês. Um império que ruiu depois da Praga de Maurícius, sinal de descontrole do uso da necromancia. O reino de Lacoresh estava fragmentado em três reinos maiores, Lacoresh, Kamanesh, Whiteleaf e outros tantos pequenos feudos independentes.

As ruínas da necrópole eram evitadas por viajantes, e com razão. Ainda abrigavam, aqui e ali, espectros, zumbis, carniçais e outras criaturas das trevas.

Em uma de suas torres semiarruniada, o feiticeiro Kímel Lorual havia montado seu laboratório. Lorual fora conhecido, por uns poucos, como Kurzeki, serviçal do poderoso necromante e mentalista, Arávner. Era um serviçal louco e maníaco, mas que um dia já fora um dos mais poderosos feiticeiros formados pela Escola de Alta Magia de Lacoresh.

Lorual não era o único habitante da necrópole. Meia dúzia de necromantes haviam buscado refúgio no local e passaram um bom tempo sem saber o que fazer depois que o líder, Thoudervon, deixou o local para nunca mais retornar. Kímel chegou ali, e apesar de manifestar certa loucura, subjugou os necromantes fazendo-os trabalhar para si.

O laboratório de Kímel Lorual era um lugar entulhado, empoeirado e sujo. Baratas e ratos caminhavam livremente por ali, sem que causassem qualquer incômodo. Lixo se acumulava nos cantos e nunca era recolhido. O lugar fedia, mas seu único ocupante não se importava com aquilo. Ao mesmo tempo, havia balcões repletos de livros, frascos contendo líquidos e criaturas mortas conservadas. Na outra extremidade, amarrados em cadeiras por grossas tiras de couro, meia dúzia de zumbis, muito magros e de pele conservada, jaziam inertes. Seus corpos estavam lustrosos, como se fossem untados com algum tipo de óleo.

Lorual era um tipo corcunda, de cabelos ralos, sua face era coberta por feridas, os dentes tortos e sujos, um dos olhos mais aberto que o outro. A feiura e repugnância em pessoa. Claudicou até os zumbis e pegou um serrote semi enferrujado sobre o balcão. Segurou o zumbi pelos cabelos e serrou lentamente seu pescoço. Falava enquanto prosseguia seu trabalho.

– Hehehehe. Hoje é dia de falar com o mestre. Sim!

A cabeça decepada deixou apenas uns poucos pingos de sangue enegrecido cair. Kímel levou-a até outro balcão onde havia uma enorme caixa metálica. Era a urna na qual os restos mortais de Arávner estavam guardados. O feiticeiro posicionou a cabeça do zumbi num cone de ponta romba, ajeitando-a até que ficasse ereta. Ligou a esta, alguns tubos e fios. Líquidos fluíram dos tubos e, de suas mãos, vieram fagulhas da magia que evocava. A urna tinha a face de uma gárgula esculpida em alto relevo. De sua boca, saiu um fluido etéreo esverdeado que penetrou na cabeça morta-viva. Os olhos do zumbi se abriram.

– Mestre, pode me ouvir?

– Kuzerki, é melhor isto ser importante. Sabes que detesto tais corporificações grotescas. – a voz lembrava o jeito de falar de Arávner, mas soava um pouco arrastada.

– Desculpe, mestre. São os meios de que disponho... Mas já estamos perto, Mestre! Em pouco tempo teremos o corpo de que necessita. O corpo com o qual poderá governar aqueles malditos traidores.

– Já ouvi isso antes, imbecil. E até agora, tu apenas me perturbas com fracasso sobre fracasso.

– Nosso aliado esteve perto do objetivo, fará uma nova tentativa, em breve.

– Tu tens confiança demais neste aí. Por que não juntas os necromantes e fazeis um assalto direto?

– As defesas de Kamanesh são muito fortes. Os blackwings, muito poderosos. Eu já tentei, mestre, eu tentei.

– Fracassaste! Tudo que consegues fazer é fracassar, seu inútil. Fracassou contra o príncipe Kain.

– Ele é forte demais! Seu amuleto... Mas desta vez, conseguiremos. O plano vai funcionar!

– E agora falhas em conseguir... em... conseg...

Os fluidos paravam de fluir e a magia de Kímel Lorual se dissipava. Custava-lhe muito esforço uma comunicação de poucos minutos. A cabeça tombou de lado, inerte.

– O mestre está nervoso, hehehe. Isso é bom! Adoro vê-lo nervoso! Mas não por muito tempo. Logo terei o corpo. Mestre, logo estaremos reunidos! Iniciaremos nossa vingança! Hehehe!

Kímel correu para o outro lado do laboratório e dizia delirando. – Uma mensagem! Hehehe! Devo enviar-lhe uma mensagem. Precisamos daquele corpo! Sim! Nós precisamos, não é mestre?

Seus olhos insanos encaravam a urna empoeirada que continha o corpo e o espírito de seu mestre.  

Herdeiros de KamaneshOnde histórias criam vida. Descubra agora