Declarações

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  Pode parecer confuso no começo mas com o tempo as coisas vão se esclarecendo.
         
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             Senhor Carter,
        O senhor questionou na última visita que lhe fiz o porquê de estar tão distante e ao mesmo tempo com o espírito tão agitado. Tentei negar, contrariar seus argumentos, mas eu sabia que no fundo eu não poderia e nem conseguiria enganá - lo. No entanto, mesmo com minha recusa em abrir o jogo com você, o senhor não tentou me coagir a fim de conseguir arrancar uma confissão de mim. Porém, deixo claro que me mantive calada por dois motivos: primeiro, por medo e receio de voltar a algo que gostaria de poder esquecer, e segundo, em respeito à sua neta, Alice , pois creio que em tão tenra idade não deveriam ser ouvidas tais confissões, deixe - a ficar com as histórias da aurora de sua vida e as reminiscências de sua infância ainda não tão esquecidas e apagadas. 
 
      Ao chegar em casa ainda presa em nossa conversa e em sua desconfiança e em meu receio, não fui capaz de comer corretamente e tampouco de dormir. Tive uma noite de insônia, atormentada pelos meus fantasmas e pensamentos. Decidi que era hora de ceder e fazer minha confissão, e novamente por duas razões: primeiramente por saber que o senhor sendo amigo, tanto meu quanto de minha família e de meu falecido pai, merece explicações, pois creio que meu pai deixou - me a seus cuidados para que servisse de pai a mim em seu lugar. E segundo, porque me é impossível continuar a esconder o meu passado, pois descobriram - me; é impossível negar ou retardar os possíveis danos.

      O senhor deve pensar que seria mais fácil e prático contar - lhe tudo pessoalmente, porém é fato que um excesso de vergonha e remorso misturados com um resto de orgulho repulsivo me dominam, por isso optei por escrever ao senhor, uma carta - livro, carta porque destino esse relato ao senhor que é merecedor de esclarecimentos, e livro, porque é preciso inúmeros capítulos para descrever tantos fatos que conturbam minha vida, e uma vez que lhe escrevo um livro, dei - lhe então um título, que precisamente me parece ser o mais adequado, pois eu poderia ter encontrado um título grandioso à altura dos clássicos da literatura, contudo eu não sou nenhum Shakespeare, Goethe ou Cervantes, sou apenas a infeliz narradora-personagem deste drama. Além do mais, o título (Lauren) é perfeito ao conteúdo do seguinte texto, pois esta é o centro de toda a narrativa, aquela sobre a qual todas os fatos giram ao redor.  
 
       Enfim Albert, venho por fim confessar - lhe os últimos sucessos e fracassos pelos quais passei nos últimos dois anos. Espero que tenha paciência de ouvir o dilúvio de acontecimentos da minha alma.

       Estou incerta de por onde deveria começar, pois a lembranças me vêm numerosas e descontroladas à cabeça causando um imenso alvoroço em meu espírito e deixando - o em um estado deplorável e catastrófico. Catastrófico. Catástrofe, sim, comecemos pela primeira catástrofe da minha vida: a morte de meu pai.
      
        O senhor sabe como tudo aconteceu, mas creio não ser má coisa tentar lhe explicar como isso afetou minha vida, como foi a perspectiva daquela criança que fui um dia diante da morte pela primeira vez.

        Eu mal havia completado sete anos, era como uma criança qualquer: curiosa, esperta, um pouco traquinas, e um pouco reclusa. Amava meu pai, assim como sei que ele nutria a mesma e talvez ainda mais intensa espécie do puro sentimento que eu. Eu adorava estar com ele, ouvi - lo contar histórias da sua meninice, rir de suas caretas, mexer em suas ferramentas e deixá - las espalhadas pelo chão, me sujar de graxa quando ele sempre ia consertar algum carro e levar broncas de minha mãe por estar com a roupa toda suja, são coisas tão pequenas mas que fazem dos dias de uma criança eternos e eufóricos. Porém, a vida veio depressa me roubar a alegria da infância.

       Lembro - me até hoje de quando o telefone de nossa casa tocou. Ouvi minha mãe dizer alô, perguntar quem era e dizer seu nome, Albert, e logo vi a expressão suave e serena que ela até então carregava se transformando aos poucos em um semblante repleto de horror, angústia, desespero e um 'não' oco e abafado ser expelido de sua boca. Você havia ligado e contado à minha mãe que papai havia sofrido um acidente de carro, foi socorrido, chegou a ser levado ao hospital onde porém, chegou já sem vida.

      Aos sete anos eu sabia o que era a morte, mas não esperava me deparar com ela tão cedo, e muito menos que fosse de meu pai o primeiro rosto cadavérico que eu veria. Fico me questionando até hoje o que é a morte, e chego à conclusão que não tenho uma resposta e jamais irei ter para esse questionamento, tanto que, contento - me em acreditar que a vida e a morte se amam, e assim a vida está sempre a enviar presentes para a morte em lembrança de seu amor. Tolice, não há o que entender.

      Guardo lembranças do funeral, lembro da lápide onde estava escrito:"Thomas Parker Wolfgang, querido pai, marido e amigo". Era o que ele era, um grande pai, um bom marido e um velho amigo, como o senhor bem o sabe. Ele era humilde, um mero mecânico, porém era um bom homem, tinha uma boa esposa, e creio que dois belos filhos, Manuel e eu. Lembro de seu rosto e sinto falta dele, das tardes na varanda, de seu sorriso... A morte dele me marcou profundamente, que me tornei uma garota reclusa, um pouco calada e um estranha nos modos.

      Mas onde quero chegar com tudo isso? Creio que já sabe, pois meu pai pediu ao senhor que cuidasse de minha família, que nos desse amparo pelos anos da amizade de vocês, e o senhor o fez. Nos deu casa, emprego para minha mãe, colocou a mim e a meu irmão em boas escolas.

       E assim eu cresci, com ausência de meu pai, lidando com a falta dele em meus dias, mas tive o senhor que se não pôde assumir por completo o lugar dele, ao menos supriu parte da falta que ele fazia, e se tornou um 'pai' de coração.

      Com todo o suporte que nos deu senhor Carter, fomos capazes de conseguir e ter boas coisas, e foi assim que consegui uma vaga no curso de enfermagem em Nova York, a sede principal de todos os acontecimentos da minha história.

        Eu tinha 18 anos quando iniciei o curso. Manuel já estava no terceiro ano de direito na mesma faculdade. Por isso, quando iniciei os estudos, minha mãe quis nos acompanhar para ficar próxima de ambos.

         O senhor nos recomendou à várias pessoas, inclusive ao senhor Cabello, que seria o novo patrão de minha mãe. Mas o que de mais importante me ligava ao senhor Cabello não eram a relações entre vocês, nem o emprego de minha mãe, mas na verdade a filha mais velha dele, Camila Cabello.

Lauren (Camren/You)Onde histórias criam vida. Descubra agora