Capítulo 37- Se eu pudesse voar

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Faziam semanas que eu não entrava ali... as grossas cortinas brancas cobriam as janelas e impediam a luminosidade de entrar. Tudo permanecia em seu devido lugar, como se eu nunca tivesse virado as costas e simplesmente ido embora por semanas, meses talvez...

Em minhas veias voltava a correr a calmaria, a calmaria de estar no meu lugar, em meio às minhas tintas, os meus versos não escritos e as poesias pintadas em quadros jamais vistos por alguém.

Meus dedos passearam pelos pincéis, pelos quadros, e pelas tintas. E assim parei no centro daquela sala. Aquilo era tudo que eu precisava para me reconectar comigo mesma, com meu eu interior. Os últimos acontecimentos haviam me pego por todos os lados, sem que eu tivesse chance de me preparar.

Me sentei entre os inúmeros quadros, ao fundo do ateliê. Tudo ali era tão meu, tão eu... que eu não sabia até que ponto era bom estar ali, reencontrar com Regina e a tocar brevemente no rosto, sentir sua alegria e a arte pulsar em suas veias.

Eu não sabia até que ponto isso me matava e me fazia viver.

Fechei meus olhos e mergulhei o pincel em um pote de tinta qualquer... A cor era o que menos importava, no final ela seria a escolha perfeita, eu sabia que sim.

Minhas mãos ganharam vida e Regina timidamente domava meu corpo, se instava em minhas entranhas e tomava para si o controle do pincel. A artista renascia. De olhos fechados, e com um bilhão de problemas, pânicos, ansiedades, e falta de tempo do lado de fora, a artista renascia. Sem se importar com mais nada, ela renascia.

Os diversos tons de azul, vermelho, amarelo, laranja e verde brincavam sobre a tela e expunham sem vergonha ou limites toda a confusão que me habitava. Todas as incertezas, os desejos, as faltas... tudo ali. Sem nenhuma palavras dita.

Eu honestamente não fazia ideia do que estava acontecendo comigo.

O porquê de ver meu filho crescer me aterrorizar tanto.

O porquê da falta de um compromisso com Robin me machucar.

O porquê de papéis e mais papéis virarem, de um dia para o outro, uma necessidade.

O porquê o tic tac do relógio me matava.

O porquê. Malditos "porquês" que eu não fazia ideia de onde surgirá, mas que na tela gritavam por atenção, por respostas.

Os pincéis foram deixados de lado e Regina debruçou-se na janela e se deixou perder no final daquela tarde. O laranja se fundia ao amarelo, e juntos finalizavam aquele dia com maestria. Deus era um verdadeiro artista, o melhor de todos, mas nem aquela obra de arte no céu tirava seus pés do chão.

A conversa com Robin na semana anterior voltará a perturbar sua mente. Cada palavra dita se repetia incansáveis vezes em sua cabeça, e a falta de um diálogo durante a semana a matava aos poucos. Era sempre assim, sua intensidade acabava com tudo, confundia tudo e queria para ontem, o amanhã.

"A vida é isso aí minha gente!

A vida é o segundo que acaba de passar.

O tempo está correndo, a terra

Sempre girando, e nós?

Nós estamos morrendo!

Não sabemos o que nos espera amanhã,

Não fazemos ideia do que pode acontecer;

Daqui a 15 segundos tudo pode estar

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