Nunca se subestime

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Bianca

Olho para o relógio na parede, falta exatamente um minuto para o sinal tocar. Bato as mãos inquietas na carteira, minhas palmas estão suadas, aquela angústia estava me matando.
O sinal finalmente toca, fico imóvel na carteira, observando os alunos irem embora. Hanyel e Ariane são os últimos a sair, eles me olham pela porta, tento esboçar um sorriso para eles como forma de que tudo estava bem.
Eles se vão e eu abaixo a cabeça, a porta se fecha com um estrondo. Margareth está de pé em frente ao quadro, me olhando com ar de superioridade.
- Pronta para a detenção? – Ela falou com sarcasmo escorrendo de cada palavra que saia de sua maldita boca.
Fico quieta.
- Bom, pedirei para que se sente aqui. – Ela aponta ao lado de sua mesa.
- Porque?
- Por que eu estou mandando!
- Não irei aí! – Protesto.
- Você virá sim!
Ela levanta, vindo em minha direção, pressentindo o perigo, me levanto rapidamente e corro em direção a porta.
- Está trancada meu bem.
Mexo a maçaneta com todas minhas forças e percebo que ela está falando a verdade. Me encosto na porta desesperada e num piscar de olhos, ela está parada em minha frente com uma faca curva com cabo negro em sua mão, sorrindo como uma maníaca.
- Não consegui matar sua amiga..., mas você... vai ser fácil... você sabe disso, sabe que não é capaz de reagir, é a mais inexperiente dos três, não é segura de si. – Ela diz rindo aumentando o tom de voz – Sabe que não pode me matar!! – Margareth solta um grito ensurdecedor.
Ela avança para cima de mim e eu desvio, parando atrás dela, era o momento perfeito para ataca-la pelas costas com sua própria faca. Olhei para os lados procurando algo para faze-la desmaiar, peguei a primeira coisa que vi, bati com uma cadeira com força em sua cabeça, ela caiu de quatro ao chão soltando um gemido de dor. Em seguida, pisei na mão, tal qual ela empunhava a faca, jogou a faca para longe, fazendo deslizar no chão. Corro em direção ao utensílio que me protegeria dela, mas ouço ela rindo histericamente atrás de mim.
- Tola! – Ela diz.
Olho para ela, está com a mão estendida em minha direção, de repente mexe seu braço bruscamente para a direita, sinto-me com o corpo dominado e sou lançada em direção a parede. Minhas costas batem com força, escorrego e caio no chão, ofegando e sentindo muita dor. Margareth me pega pelos cabelos fazendo com que ficamos cara a cara. Me olha com olhar de desprezo, cospe em minha cara.
- Tosca... pensa que tem chances contra a Nova Ordem? Você será apenas a primeira dentre seus amigos a morrer por nossas mãos.
- Nós...nós iremos vencer vocês. – Digo quase sem forças.
- Nós? Nós quem? Você está só e morrerá agora, logo seus amigos, sua família... bem, sua mãe já foi, seu pai será o próximo.
Minha mente entra em pane, eles já haviam levado minha mãe, agora meu pai. Margareth vai até sua bolsa e começa a procurar algo, ela traz uma agulha fina e vem em minha direção. Tento me mexer, mas estou paralisada, grito de dor quando ela encosta a agulha em minha pele, olho para meu braço e vejo que está escrevendo números e letras.
- O gado deve ser marcado antes de morrer! – Ela começa a rir novamente.
Quase inconsciente e sem energia, começo a puxar memórias de meu pai me ensinando a manter a mente calma mesmo em momentos desesperadores. Fecho meus olhos e em minha cabeça, ouço palavras sem nexo, em instantes percebo que eu mesmo estou as proferindo. Mas não sei como estava fazendo isso, apenas digo as palavras e uma força contagiante me invade.
- O que? Fique quieta. – Percebo o desespero na voz de Margareth.
Posso mover meu corpo de novo e levanto cambaleante, olho para ela e vejo que está sentindo dor diante das palavras que fluem de minha boca, impulsionado pelo desespero dela, falo as palavras com mais força, estico minhas mãos em sua direção, meus cabelos começam a balançar como se o vento os tocasse, meu corpo esquenta, ouço ela caindo, gritando de dor, cubro meus olhos.
- Pare, por favor. – Ela está caída, aterrorizada – Seus olhos... eles... eles estão alaranjados.
Sinto que o feitiço está acabando e digo as últimas palavras, Margareth começa a entrar em combustão, seus olhos estouram em uma luz forte logo vejo seu corpo todo dominado por fogo, em seguida ela explode. Minhas mãos pendem do lado do meu corpo, estou ofegando, sinto minhas pernas amolecerem e eu caio lentamente ao meio de pedaços de carne queimando. Vejo sangue em minhas roupas, aquilo me marcaria eternamente de alguma forma, eu havia matado uma pessoa, eu a vida retirada a vida de alguém, não que ela não merecesse a morte, mas aquilo, de certo modo me perseguiria.
Levanto do chão lentamente, o que eu acabara de fazer tinha me esgotado, fui me apoiando nas carteiras, peguei minha bolsa e andei em direção a porta, peguei na maçaneta e consegui abrir, sai me apoiando nas paredes e no corrimão da escadaria, fui descendo devagar, meus passos ecoavam pelo colégio vazio e o cheiro de carne queimada invadia cada sala e corredor. Foi aí que veio em minha cabeça, o que aquela maldita velha havia me falado, de que minha mãe estava morta; eu precisava chegar em casa o quanto antes.

Sai do colégio por um terreno baldio ao lado, tentei fazer uma cara de que estava tudo bem, mas as pessoas da rua me olhavam abismadas com o sangue em minha roupa e nas marcas em meu braço. Levei uns dez minutos até chegar em casa, a porta, janelas estavam abertas, parecia estar tudo bem, pois eu ouvia o som da TV ligada, quando entrei, meu mundo já condenado desabou. Minha mãe, meu padrasto e meus irmãos, mortos esticados um sobre o outro no tapete da casa, aquela cena horrível tomou meus olhos, que ameaçaram encher de lágrimas, mas os contive, não choraria, pois teria que me manter forte, meu pai estava correndo risco não poderia deixa-lo sem se quer saber que ele estava sendo ameaçado de morte. Segui em frente, tentando o máximo não olhar para os corpos na sala, caminhei até meu quarto, onde estava sobre a cama um embrulho marrom, fiquei cheia de receio ao abrir, mas quando vi o conteúdo fiquei simplesmente encantada com aquela varinha de madeira que tinha em sua ponta uma pedra vermelha como sangue, parecia rubi.
Junto estava um papel, que pedia para mim pegar alguns mantimentos, roupas e seguir o mais rápido possível para a maior distância longe dos locais que haviam guardas da N.O.M. Fui até a garagem, peguei um galão com gasolina, resolvi queimar todas as lembranças da minha vida. Espalhei o líquido por toda casa e móveis, inclusive nos cadáveres na sala, sai lentamente de casa e joguei um isqueiro acendido, que imediatamente começou a gasolina e consequentemente tudo o que tinha destro da casa.
Sentei no meio fio da calçada, sem rumo, sem saber para onde ia, suspirei profundamente, passei a mão no cabelo e vi alguém vindo em minha direção... Era alto, magro e com uma bolsa em suas costas, ao se aproximar eu reconheci, era Hanyel que chegava próximo a mim com os olhos castanho-esverdeados cheios de lágrimas.

A inquisição de B.A.H.V.Onde histórias criam vida. Descubra agora