Quanto menos, melhor.

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Bianca

Era em torno do meio dia, meus pés doíam, já fazia dois dias que não tínhamos um descanso descente, a preocupação e o medo de sermos pegos estava aumentando, não sabia por quanto tempo aguentaria andar sem parar, e olha que só era o início de nossa viajem.
- Alguém sabe pelo menos para que direção estamos indo? – Falei ofegante.
- Estamos indo para o sul. – Victor disse enquanto limpava o suor de seu rosto.
Minha barriga estava roncando, a comida estava próxima a acabar, realmente a ideia do racionamento fez com que durasse um dia a mais. Hanyel estava ao meu lado, seu rosto sério não demonstrava cansaço algum, seus pés batiam com força no chão, poderia suportar mais alguns dias de caminhada naquele mesmo ritmo. Ariane vinha logo atrás de mim, seus olhos estavam parecendo que haviam perdido o brilho, estava com uma das mãos pressionando a barriga, Margareth deixou sua marca registrada nela com aquela pedra.
Falando em marca, toda vez que olhava para os números em meu braço, lembrava da cena agonizante da morte daquela velha, sua pele abrindo e exibindo sua carne enquanto queimava viva, seus olhos vertendo sangue e sua voz pedindo para que eu parasse sempre ressoava em meu ouvido. Me pergunto várias vezes se ainda serei capaz de ver meu pai ainda vivo, ou terei o desprazer de vê-lo caído morto ao chão sem se quer ter feito nada errado. Não seria uma má ideia ir atrás dele, afinal mora com minha tia e ambos são praticantes de magia.
- Estão ouvindo esse barulho? – Diz Ariane.
Todos param para ouvir.
- É o som de carros passando por uma rodovia! – Afirma ela.
Sem pensar, saímos correndo em direção ao som, poderíamos ir beira rodovia e achar algum lugar para comer e beber algo. Não era a melhor das ideias, mas arriscamos. Corremos até a beira do asfalto, um calo enorme estava em meu calcanhar, doía mesmo. Logo ouvimos o som de sirenes tocando, era o mesmo som que os camburões e carros fortes da N.O.M. alarmavam. Certamente estavam levando alguns prisioneiros para a capital e todo o dinheiro dos impostos dos comércios produzidos nessa semana.
- São os carros da N.O.M? – Victor pergunta. 
- Sim! O que vamos fazer? – Falei preocupada, olhando para Hanyel em busca de uma resposta.
- Vamos impedi-los de continuar! – Ariane falou.
- Nós tivemos sorte contra os helicópteros, quem garante que vamos obter sucesso atacando os carros da Nova Ordem? – Falei.
- É um risco que devemos correr, não podemos deixar que mais ninguém seja levado para a capital! – Hanyel diz com um ar encorajador.
Olhamos uns para os outros, sacamos nossas varinhas e nos posicionamos em meio a pista.
- Continuo achando arriscado. – Disse para tentar mudar a ideia deles.
Os carros vieram em nossa direção, minhas pernas tremiam de nervoso, notei que Hanyel antes sem expressão, agora demonstrava confiança em seu rosto.
Se aproximavam cada vez mais, começaram a buzinar, em sinal para sairmos em meio a rodovia. O último camburão que vinha parou, o carro forte também, em seguida o camburão que tomava liderança. Deles saíram cinco guardas de cada, todos fortemente armados e com uma armadura negra com o emblema da N.O.M. em seus peitos.
- Não ousem se mover! – Disse um dos guardas.
Minhas pernas que antes tremiam, agora malmente podia senti-las. O rubi em minha varinha brilhava, sei que de algum modo estava transmitindo energia para ele.
- Larguem os instrumentos. – Um deles gritou. – Ou vamos atirar!
Nos mantivemos calados e imóveis, olhei para Ariane, ela sacudia levemente sua varinha, um forte vento canalizou na rodovia.
- Bruxos, abaixem os instrumentos!
Victor parecia extremamente nervoso, mais até do que eu. Seus olhos estavam fixos nos guardas, como se pedisse socorro sem abrir os lábios. Ouço Hanyel falar baixinho.
- Frite os guardas eu nos protejo!
Fechei os olhos e tentei me encorajar, não queria ser uma assassina assim como aqueles guardas, mas não tive opção, pois eram eles ou nós. Firmei minha mão o rubi continuava a brilhar intensamente, meus olhos ardiam, meus cabelos voavam com o vento que Ariane estava produzindo, me senti confiante, imaginei muito fogo, ergui bruscamente a varinha em direção aos guardas e um enorme jato de chamas ardentes brotaram do rubi indo em direção a eles, que instantaneamente atiraram mesmo resistindo aos poucos. Eu apenas senti uma sombra cobrir meu rosto, Hanyel havia erguido um mudo de pedra a nossa frente usando sua varinha.
- Como fez isso? – Ariane falou.
Hanyel não respondeu, apenas impulsionou sua mão para frente e lançou aquele muro de pedra em direção aos camburões. Não hesitei e ataquei novamente lançando outro jato de fogo, Ariane conseguia desviar as balas que vinham a nosso encontro com rajadas de vento.
Aquele momento realmente me deu uma certa adrenalina, senti meu corpo esquentar, novamente lancei outro jato de fogo nos guardas, estava realmente ficando descontrolada ou levemente levada pela emoção do momento. Os guardas queimavam em vida, mesmo assim atiravam, pareciam estar tomados por uma força maligna, Victor começou a atirar também, achei que ele nunca teria uma reação e deixaria tudo por nossa conta.
Hanyel corre em direção aos carros, dou cobertura a ele, protegendo-o dos tiros. Ele balança sua varinha e arranca as portas do primeiro camburão, não havia ninguém, correu em direção ao carro forte e arrancou as portas dele também, parecia ter algo lá dentro, mas não era dinheiro, ele pega algo e guarda em seu bolso e corre em direção ao último camburão.
Um guarda vem atirando em nossa direção.
- Saia daqui desgraçado! – Grita Hanyel ao lançar uma rocha na cabeça do guarda, que cai ao chão espalhando miolos no asfalto.
Aquilo me deixou angustiada, ele havia matado um homem e nem se quer esboçou nenhuma reação de dó ou de arrependimento, talvez era somente eu que carregava essa sina comigo.
A porta do último camburão foi arremessada com tanta força que partiu ao meio uma pequena árvore que ali perto estava. Hanyel olhou dentro do carro e não havia nada, estavam vazios. Victor e Ariane chegam ao meu lado.
- Conseguimos... – Disse Ariane cansada. – Onde estão as pessoas?
- Não tem ninguém! – Hanyel fala apertando sua mão. 
Por algum motivo estava com raiva de ver os camburões vazios. Resolvi dar uma olhada no carro forte, fumaça cobria a rodovia, quando olhei fiquei admirada, dentro dele, havia vários livros, garrafas, bastões, varinhas e pós... seriam itens de bruxos assim como nós? Onde estariam seus donos e o pior... O que fizeram com eles?
- Rápido! Vamos corres, está vindo um carro! – Victor nos avisou.
Corremos em direção a mata, ficar na rodovia ou próximos a ela, seria pedir para ser denunciado para a N.O.M. o que era um dos nossos medos. Adentramos na floresta rapidamente e continuamos correndo por mais ou menos uns cinco minutos. Paramos próximos a um pequeno riacho.
- Não acham estranho a gente conseguir fazer aquilo com as varinhas? – Fala Ariane enquanto passava água em um corte em seu braço.
- Nosso subconsciente é muito poderoso, creio que estamos apenas canalizando essa energia e liberando lentamente e incrementando nossos dons. – Hanyel fala. – Bianca... Err... quero falar com você! - Claro! – Levantei do chão e fui em direção a ele.
Não pude evitar olhar a cara que Victor fez para Hanyel quando o mesmo o encarava seriamente.

                                  ...

Hanyel

Eu via os dois de mãos dadas, tão felizes, nem pareciam que nós estávamos sendo caçados. Os olhos dela brilhavam quando ouvia o nome dele e ele? Ele tremia quando não estava ao lado dela.
- Não confie em Victor Bianca!
- Porque você ainda tem desconfiança sobre ele Hanyel?
- É difícil dizer Bianca, ele é legal, mas... tem algo nele que não me deixa confiar plenamente!
Bianca olha para mim.
- Sabe... no começo eu desconfiava, mas agora vejo que a Ariane é mais feliz com ele e isso me deixa bem. - Disse Bianca olhando para os dois.
Victor nunca me conquistou, afinal quem ele queria mesmo conquistar a confiança era Ariane. Em momento algum deixei claro que eu gostava da presença dele ou não. Aqueles olhos azuis não eram tão puros assim, algo negro se escondia lá dentro!
Já estava anoitecendo, eu e Bianca fizemos uma fogueira para podermos nos esquentar, querendo ou não o vento do inverno já começava a dominar.
Deitei próximo a fogueira que havíamos feito, aqueci as mãos, suspirei fundo e olhei as chamas na brasa a dançar.
- Barrinha?
- Oi?
- Quer barrinha de cereal? - Perguntou Bianca.
Acenei a cabeça que sim.
- Eles estão vindo, tente não ficar com toda essa negatividade, tá?
Victor e Ariane sentaram próximos a mim sorrindo. Realmente aquele garoto fazia ela feliz e de certo modo isso me deixava feliz também!
- Estão com fome? - Perguntei
- Não estamos, comemos umas frutinhas ali, obrigado! - Respondeu Victor Hugo
Abaixei a cabeça, dei outro suspiro e falei
- Melhor ir dormir, amanhã temos que sair daqui logo cedo, temos que chegar na próxima cidade procurar algo para comer!
- É mesmo, estamos cansados! - Bianca complementou
- Boa noite!! - Dissemos uns para os outros.
Peguei minha mochila e apoiei de travesseiro. Fechei os olhos, mas minha cabeça ainda continuava a ver coisas. Algo estava errado com a bondade de Victor ou o problema era eu.
"Pling" fez o barulho da gota de orvalho que caiu em meu olho e me fez acordar, devia ser umas seis da manhã, levantei peguei uma garrafa e fui buscar água no riacho ali próximo.
A água era limpa e cristalina, havia até alguns peixinhos nela. Peguei a água logo vi uma imagem atrás de mim no reflexo do riacho.
- Ariane não deve levantar tão cedo para caminhar!
- Ah... Victor, bom dia para você também!
- Bom dia hehe.
- Eu convivo com Ariane a um bom tempo e acho que... ficar aqui muito tempo, só diminui o tempo de vida dela, não é? Afinal estamos sendo caçados!!
- Alguém acordou sarcástico hoje?
- Eu acordo todo dia assim meu amigo, mas não demonstro para não gerar intrigas.
- Bom, se é assim, continue quietinho na sua e ninguém fica brigado né hehehe...
- Olha aqui garoto! - Levantei bruscamente do chão apontando o dedo para Victor. - Você acha que sabe esconder as coisas? Pois bem... devia aprender melhor!
Victor moeu os dedos nas mãos de raiva
- Hahaha, você não me conhece Hanyel, você não me conhece...
- Não! Não conheço e isso é o que me faz ter mais desconfiança de você!
- Ariane está feliz comigo, isso que importa!
- Isso que me incomoda, pois você está usando ela!!
Bianca se aproxima de mim.
- Vamos Bianca, tenho que lhe mostrar o livro de feitiços que peguei no carro forte.
Peguei a água e levei com Bianca, olhei para Victor, ele sorria com a cabeça baixa e passou a mão na franja que cobria o rosto. Me olhou ainda sorrindo, naquele momento tudo o que eu queria era enfiar uma faca no pescoço dele, mas me mantive firme pois respeitava Ariane.
Deixei a garrafa próxima a Ariane que estava a comer a última barrinha de cereal. Ela me olhou, parecia querer dizer algo, mas passei adiante e me sentei em uma pedra.
- Victor... eu estou começando a descobrir seu segredo... – Falei comigo mesmo.
Peguei minha varinha e me pus a treinar minhas habilidades com ela, querendo ou não, teria que saber lutar, pois cada dia que se passava eu notava que cada ponto ao nosso lado contaria muito.

A inquisição de B.A.H.V.Onde histórias criam vida. Descubra agora