Momento em família

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Bianca

Estava tomando uma boa xícara de café. Ah! Café era tudo o que eu precisava, esse meu vício por cafeína me fazia virar os olhos quando aquele líquido negro como a noite, quente como fogo e delicioso como um beijo, tocava em meus lábios. Sentei-me próxima a mesa, observava atentamente o vapor saindo do café e aos poucos se dissipando no ar, realmente aquilo era muito confortante.
-Vejo que ainda não perdeu o gosto por meu café! – Adriana fala enquanto pega algumas ervas no armário em cima da pia.
-E desde quando eu recuso um bom café, hein Adriana? – Falo sorrindo.
Realmente, se tudo aquilo não passasse de um sonho, por favor, nunca me acordem! Eu estou aqui, com meu pai, minha tia, meus amigos e uma boa xícara de café. O vento gelado soprava no ar, me encolho em sinal de frio. Meu corpo estremece, fico arrepiada.
Hanyel estava sentado na sala, tomando cerveja com pai, sinceramente, cerveja é horrível, nesse frio ainda? Ficava pior, pelo menos para mim.
-Temos que cuidar desses ferimentos. – Adriana falou. – Não pode ficar assim, com a carne exposta.
-Acho que não posso, não é? – Falo.
Termino de beber o café. Ariane estava olhando para o céu na calçada. Creio que a falta de Victor a machucava mais que a falta da família. Coloco minha xícara na pia e vou até a sala. 

Meu pai estava a curar os ferimentos do Hanyel usando a boa e velha magia celta. Ele havia desistido da bruxaria a um tempo atrás, agora voltou ao negócio, teria sido eu o empurrão que ele precisava para voltar a ser o excelente bruxo que era?
-Está melhor Hanyel? – Pergunto.
-Estou sim! Só preciso repousar por alguns minutos até os cortes cicatrizarem.
-Ótimo! – Exclamei.
-Bianca e Ariane, venham comigo! – Adriana nos chamou.
Andamos até seu quarto.
-Deitem-se na cama, precisamos curar seus ferimentos.
Nos deitamos sobre a cama, Adriana puxa as mangas de sua blusa para cima. Sobrepõe suas mãos sobre nós duas. Fecha os olhos.
-Mantenham a mente limpa. – Ela disse enquanto inspirava lentamente o ar.
Sua boca começa a se mexer, parecia estar dizendo palavras em silencio, suas mãos começaram levemente a tremer. Ainda continuava a proferir palavras quietas.
Sinto um leve formigamento em meu corpo, seguro a mão de Ariane, ela me olha com um pequeno sorriso estampado em seu rosto.
Adriana começou a emanar energia para nosso corpo, pude sentir.
-Abigail, ajude-me a curá-las com o poder do universo. – Disse ela.
Quem seria Abigail, se estávamos somente nós três no quarto. A porta se fecha bruscamente, a mesma coisa aconteceu com as janelas que foram cobertas pelas cortinas. O quarto parecia ter vida. Uma luz escura com um tom roxo, saía ao redor de Adriana e vinha para mim e Ariane. Senti que estávamos imóveis, os cortes em meu corpo começaram a queimar, a dor me fez fechar os olhos. Um vento estranho tomou conta do quarto, nos rodeava em círculos.
Vozes e grunhidos sobrenaturais tomaram o ambiente. Adriana continuava a mexer a boca sem sequer uma palavra saísse para nós ouvi-las.
-Saiam da porta!!! – Adriana gritou para Hanyel e Anderson que estavam a nos espreitar pelo buraco da fechadura. – Silêncio! – Ela solta outro grito.
Os uivos daquele vento tomaram minha cabeça, por um momento entrei em transe, sentia uma energia estranha correr por meu corpo, sinto-me como se estivesse flutuando, uma leveza tomava meu ser, tomava minha alma. E em um suspiro, Adriana abre os olhos, passa as mãos um na outra, como se limpasse algo.
-Obrigado! – Diz ela esticando a mão até a janela, que se abre novamente.
As luzes se acendem, solto a mão de Ariane. Vejo que meus ferimentos estavam cicatrizados, malmente podia vê-los.
-Vocês duas não tem ferimentos apenas no corpo. – Disse Adriana. – Algo em suas mentes e em seus corações, as ferem muito, por isso tive que usar esta magia mais forte de cura, para tentar curar estes machucados.
-Muito obrigado, mas... quem seria Abigail? Ouvi você pedir ajuda a ela. – Ariane fala.
-Abigail é minha guia, ela foi uma grande bruxa que foi queimada viva durante a “Santa Inquisição”. Ela me ajuda muito. Bom... agora vamos comer algo? Está quase na hora do almoço.
Adriana sorri, olho para Ariane e ela está com um brilho no olhar, talvez minha tia tinha feito que aquele rombo que Victor fez no coração dele se fechasse.
-Estou com fome. – Ariane falou.
-E me diz, quando nós não estamos? – Solto uma gargalhada.
Nos levantamos e vamos até a cozinha. Hanyel estava cortando alguns legumes, Adriana cortava carne. Meu pai acendia o fogo do fogão e colocou sobre ele um caldeirão de ferro.
-Hoje, nós vamos cozinhar nesta belezinha aqui! – Disse ele. – A anos não é usado.
Podia ver a alegria correndo pelas veias de Hanyel, ele amava cozinhar e amava mais ainda estar próximo de pessoas como nós, bruxos. Ele sempre foi um pouco diferente de mim, era mais seguro em seus atos e não deixava que opiniões alheias lhe ferissem, conseguia manter sempre um sorriso no rosto, tinha inveja disso.
-Sopa, sopa sopinha! – Cantava Hanyel, colocando os legumes e a carne para dourar no caldeirão.
Em poucos instantes um delicioso aroma tomou conta da casa, me senti inspirada e resolvi ajudar.
Todos estavam sorrindo, principalmente Hanyel, que estava no meio da coisa que o fazia se sentir completo... comida! Meu pai liga o rádio, deixa a tocar músicas celtas, tocadas a violino, chocalho, hurdy gurdy e tambores.
Meus ouvidos se deliciaram em prazeres ao ouvir aquilo, sou tirada a dançar por Hanyel, que fazia de um prato de vidro um pequeno tamborim, começamos a cantar, sorrir e dançar, Ariane girava contente transbordando alegria, Adriana com as mãos ao alto batendo palmas ao ritmo envolvente da música me fazia crer de que a vida não era assim tão dura.
Os sinos dos ventos tocavam na área, os silfos estavam em comunhão conosco. As chamas do fogo dançavam suavemente abaixo do caldeirão, salamandras adoravam músicas. A sopa fervia no caldeirão, estourando as pequenas bolhas que de lá saíam. Lá estávamos nós, cinco bruxos que estavam sob ameaça de morte, mas que estavam sorrindo e dançando como se não houvesse um amanhã.
Sento-me em uma cadeira, ofegante e sorrindo.
-O que vocês fizeram comigo? – Pergunto rindo.
Todos fazem gestos com as mãos e ombros em sinal de “não sei”. Já havia se passado mais de meia hora que estávamos dançando, o tempo passou voando.
-A sopa está pronta! – Adriana fala.
Hanyel como se já fosse de casa, distribui os pratos e talheres sobre a mesa. Somos convidados a nos deliciarmos com aquela sopa que tal qual o aroma era impressionante. 
Minha boca se encheu d’agua quando vi meu prato cheio daquela delícia. Lentamente, vou encaminhando a colher até a boca, quando sinto o sabor, fico impressionada.
-Isso aqui está uma delícia! – Falei histericamente.
Gargalhadas ecoaram pela cozinha, mas foram interrompidas com fortes batidas na porta.
-Serão os guardas? – Disse Ariane preocupada.
-Se fossem, iriam invadir a casa. Vou ver quem é. – Adriana falou levantando-se e indo em direção a porta.
Seus passos foram quietos e sorrateiros, ela gira a chave bem devagar destrancando a porta, vai abrindo a porta lentamente e é surpreendida com um grito.
-Olha quem chegou!!! – Um grito de uma senhora quase me ensurdece.
Corro até a sala contente.
-Vó Jane!! – Falo com os braços abertos.
Era minha avó, mãe de meu pai e Adriana.

A inquisição de B.A.H.V.Onde histórias criam vida. Descubra agora