Bruxos

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Hanyel

Era de manhã, levantei da cama com a cabeça perturbada com pensamentos negativos, minha vida não era a mesma desde que a Nova Ordem havia se instalado na cidade em que eu morava. Eu estava indo ao colégio, peguei minha bolsa, meu casaco e saí de casa. As ruas estavam vazias, apenas guardas e alguns alunos transitavam nas calçadas, isso era normal, aqueles homens altos e fortes, trajados com capacetes, protetores de aço e portando armas, isso de certo modo de dava medo pois eu era exatamente aquilo que eles procuravam...um bruxo!
Não que eu fosse forte, com poderes extraordinários, eu era apenas um garoto que havia se descoberto especial ao longo do tempo, claro que eu tinha certas habilidades, mas nem se comparava com as que eu pretendia ter. Guardava aquilo em segredo, apenas quem sabia dos meus dons era minha mãe e minhas duas amigas, Bianca e Ariane, duas bruxas também.
Ao chegar ao colégio sou recebido com um abraço de Ariane, ela era muito linda, seus cabelos pretos volumosos cobriam um pouco seu rosto meio pálido e com aspecto gentil, as bochechas um pouco rosadas combinavam com o batom vermelho que sempre usava e com seu estilo roqueira de ser.
- Oi meu grandão! – Disse ela.
- Olá Ari, como está?
- Um pouco ansiosa, quero lhe mostrar algo que aprendi a fazer com Bianca.
Coloquei meu braço por cima do ombro dela e fomos caminhando até a escadaria da escola, falando em escola, aquela parecia uma mansão verde, antiga e assustadoramente linda. Ao subir os degraus, ouço um sussurro.
- Creio que já contou para ele o que podemos fazer? – Disse Bianca.
- Ela já me contou sim!! Quero ver rápido! – Falei
Bianca era baixinha assim como Ariane, os cabelos castanhos cacheados na altura do ombro, dava a ela uma aparência bem gentil, gostava de usar blusas maiores que seu número para poder esconder as mãos dentro das mangas. Entramos no pátio interno e seguimos para outra escada, que nos levava para o andar onde estava nossa sala de aula. Ao entrar na sala, nos sentamos próximos para ver o que elas haviam aprendido a fazer.
- Presta atenção Ari, não estou muito confiante que eu consiga agora.
- Consegue sim! – Disse Ariane olhando para Bianca.
As duas estenderam as mãos sobre uma caneta, fiquei olhando atento para ver o que aconteceria em seguida, as mãos delas tremiam, os olhos fechados mostravam concentração, aos poucos a vibração das mãos delas passou para a caneta, que começou a flutuar lentamente, aos poucos a tampa foi saindo, logo a caneta foi se auto desmontando, até ficar com todas suas partes devidamente soltas.
- Conseguimos outra vez Ari!!!
- Isso é muito espetacular...
Eu, Ariane, juntamente com Bianca treinávamos nossas habilidades escondidos em casa ou no parque. Não tínhamos muito tempo para treinar pois o toque de recolher era as nove da noite e nós estudávamos quase o dia todo.
Tivemos um dia de aula normal, lições de casa e uma prova de química para sexta-feira. O sinal que marcava o término do dia de aula tocou. Reuni meus materiais e fui descendo as escadas do colégio com as garotas.
- Vocês viram que levaram duas senhoras de Yotendo para a Capital? – Disse Bianca.
Yotendo era a cidade vizinha, os regimes impostos para os cidadãos de lá eram muito severos.
- Ouvi no rádio..., mas isto já é normal! – Ariane fala.
Nos despedimos no portão e vamos cada um para sua casa.

                                      ...

Já estava no horário de ir para o colégio, saí às pressas pois estava alguns minutos atrasado.
Chego ao colégio, subo a escadaria correndo e entro na sala. Não havia nenhum professor presente.
- Oi! – Falei para Ariane ao meu lado.
- Oi Hany! – Respondeu.
- Como vai...
Fui interrompido por um bater na porta e um alto som de salto de madeira tocando o chão, era uma senhora magra, alta, cabelos loiros grisalhos amarrados em um coque, os óculos abaixo dos olhos, revelava seu olhar diabólico em meio a cara enrugada.

Me chamo Margareth Schmidt, professora substituta da disciplina de língua portuguesa. – Disse a velha ao se posicionar rapidamente em sua mesa. – Não irei tolerar nenhum tipo de gracinha durante minhas aulas, estamos entendidos?
O silencio reinou no ar.
- Ótimo! – Exclamou.
Margareth, olhou para nós três e sussurrou baixinho.
- Bruxinha nojenta, argh! –Levantou o canto dos lábios em sinal de nojo.
Aquilo atingiu diretamente Ariane, que recebeu olhares nada amigáveis de Margareth durante a aula toda. Final da tarde, a aula terminou, todos saíram da sala, ficamos nós três arrumando as bolsas, estava chovendo, o céu escuro brilhava com a luz dos raios e quebrava o silêncio com o som dos trovões. O colégio estava vazio, todos já haviam ido embora, nós estávamos descendo as escadas e Ariane lembra que deixou um livro e foi busca-lo, ficamos sentados esperando ela, até ouvir um grito!
Era Ariane caída ao chão com a barriga sangrando, gritando de dor.
- Ari!!! Quem fez isso com você? – Perguntei.
- Ma...Margareth! – Disse ela apontando para o corredor.
Quando olhamos, avistamos um vulto preto correr para fora e algo cair ao chão. Fui correndo ver o que era, encontrei um punhal com um globo gravado no cabo, aquele era o símbolo da Nova Ordem, algo não estava cheirando bem. Voltei ao lado das meninas, o corte feito não era tão grande e já havia sido estancado com um pedaço de pano.
- Como você está? Ela fez algo mais com você? – Perguntei para Ariane.
Ela colocou algo em mim, parece uma pedra, está ardendo muito!
- A pressão dela está baixa Hanyel, ela precisa comer algo! – Bianca falou.
Fui correndo até a sala dos professores no andar de baixo, peguei um pacote com alguns biscoitos salgados, resolvi abrir a porta da saída para pedir ajuda, mas estava trancada, na verdade todas as portas de saída estavam trancadas, aquilo me deixou desesperado, então corri para cima levar os biscoitos para Ariane.
- As portas estão trancadas, nós vamos ter que passar a noite aqui!
A chuva ainda não passara e por muito azar a energia elétrica caiu, ficamos no escuro, Ariane machucada e com uma velha louca pronta para nos atacar a qualquer momento. Os minutos foram se passando, pareciam horas, os biscoitos haviam acabado e o sono não chegava, aquela noite parecia não ter um fim, aos poucos começamos a desconfiar se a Nova Ordem havia descoberto que nós éramos bruxos e estavam começando a nos torturar lentamente até chegar o momento de desespero total para dar um fim na gente, poderia ser um pensamento bobo, mas aquele punhal com o símbolo da N.O.M. nos dava plena certeza de que seríamos caçados.
Devia ser por volta da meia noite, nós já estávamos a horas presos lá, em silencio, com frio e cheios de receio. Ouvimos um barulho vindo do andar de baixo.
- Será que ela voltou? – Perguntei.
- É provável que sim. – Bianca respondeu.
Nossos corações dispararam, não tínhamos como se proteger daquela mulher, luzes de uma lanterna tomaram conta do corredor, alguém se aproximava, não poderíamos correr, pois Ariane estava com muita dor. Todos suando, olhos arregalados olhando para a luz, esperando o pior foi quando a pessoa falou.
- O que vocês estão fazendo aí crianças?
Era o zelador, que veio cuidar do colégio no período sem aula, ele nos viu no chão encolhidos, e nos ajudou a sair dali.

                                       ...

Já fazia uma semana desde o ocorrido no colégio, cada dia era pior o silencio que nos invadia. A professora de história havia chamado Ariane para conversar sobre o que tinha acontecido uma semana atrás, a porta da sala dos professores estava escancarada, eu estava apoiado no batente, com o queixo erguido e olhos bem abertos, eu observava Ariane com preocupação, nossos olhos se encontraram e ela soltou um pequeno sorriso.
- Espero que não a tenha cansado demais. – Ouvi a professora dizer.
Ariane parecia exausta, fechou os olhos e por alguns instantes permaneceram fechados, logo levantou-se e imediatamente veio correndo em minha direção.
- Tenho uma notícia. – Ela falou sem emoção.
- O que é? – Bianca próxima a mim perguntou curiosa.
- Eu tive uma visão... com um garoto que sempre invade meus sonhos... ele irá estudar conosco. Teremos um aluno novo amanhã, Victor Hugo é seu nome e ele é estranho.
Confesso que não acreditei muito no momento pois Ariane era acostumada a sonhar com garotos aleatórios quase todas as noites, creio que a falta de um namorado afeta ela!
No dia seguinte cheguei na sala de aula juntamente com Ariane e lá estava ele, sentado atrás de Bianca aquele garoto magro, com a pele
tão pálida quanto a neve, roupas pretas, cabelo negro e brilhante cobrindo o rosto com sua franja, os olhos azuis eram intensos e na mesma hora frios, quando ele notou a presença dela, ergueu a sobrancelha e sorriu.
- Com licença professora. – Dissemos para Margareth.
- Que bonito hein? Senhores atrasados, sentem-se e fiquem calados. Agora podemos começar já que nossos colegas chegaram. – Ela olhou para nós dois como se quisesse nos estapear.
Foi aí que o novo aluno, começou a provocar a fera...
- Professora, posso lhe fazer uma pergunta?
- Pode sim, você tem direito já que é aluno novo.
- Percebi que a senhora não gosta de três alunos aqui presentes pelo que vejo.
- Não! Realmente você tem razão, esses três alunos, tais quais não irei citar nomes, não gostam de mim na mesma proporção que não gosto deles.
- A senhora me parece familiar professora. – Disse Victor. – Mas não me recordo de onde a conheço.
- Garoto, você está enganado, nunca me viu. – Ela fez um sinal com a mão que eu não consegui identificar. – Esqueça isso e vamos começar a aula.
Victor Hugo acenou com a cabeça e começou a copiar o conteúdo que ela passava no quadro negro. Aquilo me deixou desconfiado, foi aí que comecei a tomar cuidado com o novo aluno.
Tédio... Palavra que resume a aula que se passa nesse momento. Argh! Professora Margareth Schmidt, a macabra criatura que atormentava meu sono todas as noites, desde o dia em que ficamos presos no colégio.
Hoje com a entrada do aluno novo, Bianca veio até mim e compartilhou de suas impressões comigo.
- Ele parece-me, não sei... peculiar, diferente. 
Ariane o olha como se o conhecesse a anos, eu fico indiferente a sua presença, não demonstro nenhuma reação, sou bom nisso. Ele se senta logo atrás de Bianca e de certa forma isso a incomoda, depois daquela noite ela passou a ser mais insegura do que de costume, desconfia de tudo e de todos.
Olho para Bianca e sorrio de forma tímida, posso dizer que é nosso ponto de equilíbrio que mantém as coisas “calmas”.
- Bianca, Bianca? Bianca!!!!
Ela olha para frente e encontra a professora a fuzilando com os olhos. - Sim? – Disse ela inocentemente.
Margareth andou rapidamente até a carteira de Bianca, o som de seu salto ecoou pela sala, de repente ela bate o livro na carteira fazendo um estrondo enorme.
- Espero que esteja prestando atenção a aula! – Margareth sorriu ironicamente mostrando seus dentes amarelados pontiagudos.
- Hey!
Victor cutucou Bianca, ela virou rapidamente e arqueou a sobrancelha para ele.
- Sou Victor Hugo. – Ele diz. - Você é Bianca certo?
- Acho que sim, a professora acabou de me chamar assim.
Ele ri.
- Bom, sim... – De repente ele parou de rir e sua boca vira uma linha fina. – Tenho um pressentimento ruim sobre ela.
- Você nem imagina. – Murmurou Bianca.
- O que você disse? – Victor pergunta.
- Senhorita Lima! – Margareth grita o sobrenome de Bianca e ela se apavora. – Detenção! –Ela diz entredentes.
- Mas porquê? – Questiona.
- Por conversar durante a explicação.
- Professora, não foi ela. – Victor Hugo intervém.
- Cale-se!!
Eu e Ariane olhamos desesperados para Bianca, que estava pasma, sem reação.
- Nós nos vemos depois da aula. – Disse Margareth pegando seus materiais e saindo da sala.
O sinal toca.
- E agora? – Bianca pergunta – Como ficarei presa sozinha com aquela criatura?
- Calma – Falei.
- Daremos um jeito! – Ariane tenta ajudar.
- Mas como?

A inquisição de B.A.H.V.Onde histórias criam vida. Descubra agora