Resistência

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Hanyel

Já faziam sete dias que eu estava ali na zona morta sentado em posição de lótus. Meus ossos doíam, meus olhos semifechados viam apenas vultos, meu corpo desidratado escamava, parecia gritar por água. Não sentia mais fome, talvez o ácido de meu estômago o estivesse corroído todo. 
Ouço as batidas de meu coração, pareciam tambores em meus ouvidos. Não poderia deixar o cansaço me vencer. Limpo os olhos com a mão trêmula, vejo mais guardas do que a dois dias atrás. Com acampamentos erguidos esperavam meu momento de total fraqueza. Haviam trazido um garoto... uma criança ainda, tinha a expressão assustada. Está acorrentada pelos pés, não fazia a mínima ideia do que fariam com ele.
As árvores falam comigo, posso ouvi-las sussurrar palavras no ranger de sua madeira de pó cinzento e folhas mortas. O som magnético que subia da terra perfurava minha mente, estava ficando louco. Sentia saudade da neve que caía do céu cheio de nuvens, nunca desejei tanto estar do lado de fora da zona morta como agora.
Morreria ali mesmo, com os poderes bloqueados eu era inútil... o mesmo inútil que sempre fui. A vontade de me entregar os guardas não passou por minha cabeça sequer uma só vez. Se quisessem me pegar teriam que dar um jeito.
Sinto meu corpo ser puxado para trás. Minha coluna não suportara mais me segurar, fico esticado ao chão. Sinto meu nariz sangrar, a desidratação iria me matar logo.

                                       ...

Já devia ser noite agora... não sentia meu corpo, meu coração batia lentamente, não movia sequer um músculo de meu corpo, até mesmo meus olhos eu não conseguia pisca-los. Vejo um movimento ao meu lado, aquele garoto que os guardas trouxeram estava a me observar.
- Desculpe-me... não tive outra escola. – Ele se abaixa ao meu lado. – Uma de vocês chegou a sete dias nos campos...
Olho para ele, não consegui expressar nenhuma emoção. Ele pega em minha mão.
- Eu não sou uma boa pessoa... – Ele diz soltando um sorriso e abaixa a cabeça. – Nunca vou poder ser.... nunca terei a chance de ser.
Fazendo muito esforço consigo apertar a mão dele, olho fixamente nos seus olhos.
- Ainda... da... tempo... – Digo com a voz rouca e seca.
Ele começa a chorar. Ainda era uma criança, não podia controlar suas emoções, iria morrer nos campos de inquisição ou ali fora mesmo pelos guardas a qualquer momento. Seu destino estava traçado com a morte impetuosa.
- Eu queria estar em casa... – Diz ele. – Jogando vídeo game e comendo bolacha com achocolatado. Eu queria ser normal...
- Não vejo o lado... bom... de ser.... normal... – Digo com a voz falha. – A vida... nos deu... um dom.... O dom de ser..... Diferente. Use... isso a seu favor! – Minha voz acaba.
Minha garganta estava tão seca que pude sentir o gosto de sangue percorrer por ela devido meu esforço para falar.
Aquele garoto me olhou nos olhos, estava com pena dele. Ninguém merecia morrer tão jovem.
- Um dos garotos... que estavam comigo na cela, ele foi recrutado para ser um guarda.
Olho para ele.
- Gregório é seu nome... ele poderá te ajudar lá.
Os olhos dele juntam lágrimas novamente. Ele tira uma coleira de ferro da cinta.
- Me perdoe! – Diz chorando.
Ele põe a coleira em meu pescoço, sinto faísca de eletricidade correrem por meu corpo. Tento por uma última vez falar.
- Feche os olhos... quando me... retirar daqui. Não irá doer nada... prometo.
Começo a tossir, levo uma descarga elétrica. Meu corpo amolece, fico tonto. Aquele garoto se levanta, pega em minhas pernas e começa a arrastar-me sobre a neve negra. 
Saímos da zona morta, pude sentir a energia da terra em minhas mãos. Dezenas de guardas nos cercam com as armas engatilhadas apontadas para mim. Dois me pegam por debaixo dos braços, fico frente a frente com o garoto, que olhava para mim enxugando suas lágrimas.
- Meu nome é Ignio! – Disse ele fechando os olhos.
Com um fechar de olhos e com os pés no chão, senti um leve poder enraizar sobre mim... abro o olho rapidamente, uma grande estaca de pedra brota da terra abaixo de Ignio, ela atravessa seu corpo, o partindo-o em dois pedaços. Sinto um nó na garganta, sangue espirrou sobre meu rosto.
- O bruxo ainda está ativo! – Gritaram.
Um apito saiu da coleira em meu pescoço. Fui golpeado com uma grande descarga elétrica.

                                     ...

Balanço com o movimento do caminhão. Estou preso dentro de uma caixa de ferro com a cabeça para fora, minhas mãos estão sob meu peito, minhas pernas estão acorrentadas. Meus olhos morteiros e minha boca semiaberta significavam meu pedido por água.
- Você quer isto? – Um guarda balança um cantil com água. 
Ele bebe tudo, vem até mim e cospe a água em minha cara.
- Beba seu verme! – Falou rindo de minha cara, enxugando o cuspe que ficou em sua barba.
- Boa John! – Ouvi falarem.
Não parava de pensar naquele pobre garoto. Reflito se foi melhor tê-lo matado do que deixa-lo sofrendo nas mãos daqueles carrascos. Chego à conclusão que sim. Mesmo não sendo uma das melhores coisas a serem feitas, naquele momento foi a mais digna.
Ouço o som do freio do caminhão, havíamos chegado em algum lugar. Guardas abrem as portas de ferro e me retiram de dentro do veículo. Um vento congelante atingiu meu rosto. Meu cabelo se encheu de flocos de neve. A luz quase me segou. Retiraram a caixa em que eu estava para fora. 
Aquilo era grandiosamente horrível. Dezenas de enormes barracões de concreto. Muros mais altos que torres de transmissão de sinal de TV, postes de ferro em meio ao centro daquele lugar.
Pegam a caixa em uma pequena empilhadeira. Sou levado por escolta em meio a guardas, passando entre vários prédios cinzentos. Olho para cima e vejo no alto de um dos prédios, um homem me observando, certamente era o desgraçado culpado de tudo isso, chega uma mulher ao seu lado. 
Sou levado até um dos barracões. As enormes portas de ferro são abertas por três chaves, cada uma de um guarda diferente. O som de trancas de ferro ecoa, as portas são abertas, a empilhadeira me carrega sob escolta até uma ala do barracão. “Bloco A. Risco: 8 de 10”, dizia uma placa. Sou deixado ali. Guardas verificam a caixa.
- Está tudo ok! – Um deles diz. – Tragam o selador.
Dois homens trazem um equipamento de ferro, ambos começam a abrir as laterais daquela caixa em que eu estava. Pegaram correntes e me prenderam a parede.
Um homem se aproxima com trajes militares, tira o capacete e fala:
- Bem-vindo aos Campos de Inquisições filho!

A inquisição de B.A.H.V.Onde histórias criam vida. Descubra agora