Capítulo 36

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O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?

O homem sentado diante de mim na mesa do quarto de um hotel barato, comendo com a voracidade de um leão, não confere com a descrição que Nina fez do pai dela. Ela sempre disse que o cara era um bêbado arrogante e violento que recusava sua ajuda todas as vezes que ela tentava se aproximar.

Pela imagem mental que eu tinha, sentia até mesmo nojo e um desejo primitivo de fazer uma merda contra ele por tudo que deveria ter sido e não foi a meu Tomatinho. Mas, ainda que eu não consiga explicar por que, esse cara não está despertando meu lado irracional. Se eu fosse apostar, diria que ele está conseguindo extrair de mim um instinto protetor que eu só consegui sentir até agora pela minha família e pela mulher que amo.

Isso poderia ser fruto do momento maravilhoso que estou vivendo com ela? Poderia ser uma daquelas peripécias do amor que dizem deixar o coração de um homem mais sensível e aberto para ver o mundo de outra forma?

– Me desculpe, eu devo estar lhe assustando. Sei que pareço um cachorro de rua que não vê comida há dias, mas posso garantir que você não está enganado. A comparação é pertinente.

– Eu não estava lhe comparando a um cachorro de rua, apenas me perguntando por onde o senhor andava esse tempo todo.

O homem olha para si mesmo da cabeça aos pés e depois volta a me encarar com obviedade.

– Não deve ser tão difícil concluir por onde eu andava. Além do mais, tenho certeza que, a essa altura, minha filha já lhe contou toda a versão que ela conhece da minha história, então eu não o julgaria se estivesse maquinando uma ou duas formas de me assassinar.

– Confesso que já maquinei uma ou duas formas de lhe assassinar pelo que ouvi falar a seu respeito. Ela não merecia ter tido um pai como o senhor.

– Entendo. E isso faz com que eu o admire ainda mais. Nina merece um homem que vá tentar protegê-la de todas as formas. Mesmo que seja do próprio pai.

– Sim, ela merece.

Sondo os traços do homem e deduzo que não condiz com o bêbado descrito por ela. Ele poderia ter mudado de alguma forma? Embora esteja um tanto sujo, me parece mais com um pedinte do que um pé-de-cana colérico. Na verdade, as bolsas sob seus olhos e o jeito inofensivo que me olha faz aflorar minha piedade e o julgamento de que o tempo possa ter aplacado sua arrogância.

– Não vai querer ouvir minha versão da história? – o velho pergunta, mesmo com a boca cheia de pão, mastigando com voracidade, como se fosse faltar alimento no mundo. – Minha filha sabe apenas o que lhe disseram e o que permiti que ela soubesse.

– Se há outra versão, você não acha que Catarina deve ser a primeira a conhecê-la?

Ele levanta a cabeça, balançando em concordância, então baixa novamente, voltando à missão de acabar com o alimento em seu prato. Diante do silêncio, eu prossigo.

– Eu não quero que volte a machucá-la, mas me dói vê-la se culpando por ter afastado os pais. De algum modo, ela não se achava boa o suficiente para fazê-los ficar, embora sua autoestima tenha melhorado muito nos últimos tempos.

– Minha menina nunca foi a culpada. Tem notícias da mãe dela?

– Não, mas ela não se mostra interessada nesse assunto. Na verdade, percebi que se preocupa muito mais com o senhor. Disse até que estava pensando em procurá-lo novamente outro dia.

Ele ergue a cabeça surpreso, seus olhos brilhando, cheios de esperança.

– Ela disse isso?

– Sim, ela disse.

Nicholas: Quando a atração muda as regras do jogoOnde histórias criam vida. Descubra agora