Quando a noite cai

180 30 10
                                    


Ela correu pela noite escura, seu pelo cinzento recobrindo um corpo meio–humano, meio–lupino, escondendo assim sua forma monstruosa dos olhares da gente comum. E após se afastar o suficiente do hospital, Evelyn se deixou enfim cair sobre a grama fria. A sensação era agradável, e ela permaneceu assim, recuperando o ar, deitada e de olhos fechados por algum tempo, já de volta a forma humana.

As roupas se rasgaram durante a transformação — assim como o pescoço de uma enfermeira, uma médica e um policial que viram mais do que deviam —, mas ainda houve tempo de roubar o celular do policial antes de saltar do 3° andar do prédio. A fuga cobrou seu preço: a perna que já estava ferida pelo tiro, piorou após a queda, junto do braço em que se apoiou para não bater de cabeça no chão.

"Estou acabada. Os tiras me reconheceram na casa do Jimmy, os médicos também...", pensou ela, se sentando e olhando para o celular. "Tenho de dar o fora dessa cidade de vez."

E não vendo ou sentindo ninguém, se arrastou até uma árvore na qual se escorou, esperando o corpo se recuperar dos estragos. "Só mais um pouquinho, e aí eu posso seguir a viagem como loba. Ainda dá pra me juntar ao bando... ao Malcom. Depois é dar adeus a esse lugarzinho de bosta e minha vida dupla. Dar adeus a universidade, dar adeus... a Claire."

***

Pouco antes, no hospital.

Ignorando o bom senso que o aconselhava a ficar longe dos olhos da polícia, Roger decidiu ir até o hospital onde sabia que o dono do restaurante e a loba estavam internados. Havia um policial na porta do edifício, mas o aspecto envelhecido do ex-detetive (resultado de maquiagem) e sua postura corporal coerente com a idade falsa, facilitaram bastante sua entrada sem levantar suspeitas.

"Ninguém desconfia de um velho sorridente". Foi com base nessa crença que o velho de boina, bengala e roupas largas e grossas pôs as mãos nos crachás certos e se infiltrou em alas normalmente inacessíveis para ele. Na ala dos pacientes graves, viu por trás de um vidro a policial envolvida na invasão à delegacia: Emma Watson. Com a perna engessada e uma muleta escorada ao lado, apresentava uma série de ferimentos superficiais que não tinha antes, sentada ao lado de um leito. Nele, um homem inconsciente e bastante ferido, cheio de hematomas e pontos. O homem batia com a descrição do barman Jammes Duncan, um lobisomem, segundo Paul, que parecia desacordado.

Haviam outros leitos vazios, uma enfermeira que acabava de sair do local levando material usado e um policial robusto, de guarda entre a entrada do cômodo e os leitos.

—... e essa é a situação geral — explicou Roger pelo celular, após enviar por mensagem a localização dos possíveis complicadores, para além daquilo que descobriram através da planta do hospital e fotos de lá. — Posso cuidar do policial de guarda enquanto você faz sua entrada, e aí eles são todos seus.

— Faça, Roger. E me envie o sinal — voz do Paul.

Roger, que antes estava sentado em um banco, observando do corredor, se aproximou lentamente do policial, no ritmo de um idoso com dificuldades para caminhar. Até tropeçar propositalmente, esbarrando na parede ao lado dele.

— Se machucou, senhor? — perguntou o homem de queixo largo e olhos grandes, já ajudando Roger a se pôr de pé, enquanto o ex-detetive disfarçadamente injetava com a agulha uma substância capaz de deixá-lo inconsciente em poucos segundos. Roger o segurou, colocando o sujeito sentado no banco onde antes estava. Então enviou a mensagem automática que o professor aguardava para agir.

Filhos da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora